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Política

Crescimento de gastos da saúde pressiona governo

Estadão Conteudo

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A Saúde tem potencial para se transformar numa fonte de graves problemas e de desgaste para o próximo presidente. Por causa das mudanças nas regras de reajuste de gastos do governo federal, o orçamento da área foi reduzido e congelado no momento em que a pressão pelos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) aumenta. Desde 2014, pelo menos 3 milhões de pessoas deixaram de ter planos de saúde por causa da crise econômica. Sem assistência suplementar, esse grupo que pouco usava o SUS passou a depender dele.

"Será menos dinheiro para atender mais gente", resume o presidente do Conselho dos Secretários Estaduais de Saúde, Rafael Vilela. E aumento da demanda não deve ser efêmero. "Muitas das pessoas que saíram dos planos não querem ou não terão condições de voltar." O dinheiro curto pode afetar ainda a capacidade de resposta, num momento em que a população envelhece, a pressão pela incorporação de novas tecnologias aumenta e que capacidade de planejamento se esgota.

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"O aumento de custos é natural. Antes, quando alguém aparecia com dor de cabeça, o médico prescrevia analgésico. Hoje é encaminhado à tomografia. Muito câncer é curável. Mas tratá-los custa", diz o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Pelotas, Cesar Victora.

Média

Vilela tem avaliação parecida. Ele lembra que, em 1997, a média global dos gastos em Saúde era de 8% do PIB mundial. Em 2017, alcançava 9,9%. "Os serviços em saúde são caros e crescentes em todo mundo."

Por isso, Vilela classificou a nova regra de teto de gastos como "esdrúxula". "Ela engessa os gastos, não leva em conta o crescimento populacional."

A Emenda Constitucional 95 congela os recursos em termos reais a partir deste ano. O piso para o setor é calculado com base nos 15% da Receita Corrente Líquida de 2017, corrigido pelo IPCA. A regra vale até 2036.

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Segundo Vilela, se a regra estivesse em vigor em 2003, o orçamento em Saúde em 2017 seria de R$ 50 bilhões. "Bem menos do que os R$ 120 bilhões que foram desembolsados."

Quando a proposta ainda estava em discussão, um estudo feito pela especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), Fabíola Sulpino Vieira, já indicava que o setor perderia recursos se fosse comparado com a regra anterior e num cenário com crescimento do PIB. Quanto o maior o crescimento, maior seria a perda.

Por isso, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, integrante da Academia Nacional Medicina, considera essencial acabar com a regra no próximo governo. "A questão é central: garantir a sustentabilidade econômica do SUS."

Temporão aponta outro aspecto: recolocar a saúde no centro da agenda política e recuperar a credibilidade do ministério.

O posto sempre foi cobiçado nos governos. Não é à toa. Ele é um dos maiores orçamentos da Esplanada - R$ 131,2 bilhões em 2018. Além disso, tem grande capilaridade no País.

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Os reflexos disso ficam claros quando se analisa a rotatividade no posto. Em três anos, quatro ministros ficaram à frente da pasta. Na equipe do atual ministro - Gilberto Occhi -, só um secretário é médico: o secretário executivo, Adeilson Cavalcante. "Há grande desconfiança", diz Temporão.

Isso e a falta de continuidade das políticas trazem o baixo impacto de algumas ações. Como exemplo, Temporão cita a redução da cobertura vacinal. "Não há apelo para que a população se mobilize."

A área sofre com as mudanças nas regras para ajuste de gastos federais, que provocaram uma perda para a Saúde de R$ 6,8 bi em três anos, de acordo com cálculos da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) obtidos pelo Estado.

Eles comparam os valores estabelecidos pela regra do período entre 2016 e 2018 com o que seria aplicado, caso a regra anterior estivesse em vigor.

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"A queda é significativa", diz o presidente da entidade, Carlos Ocké. Para se ter ideia, a quantia é o triplo do repassado pelo Ministério da Saúde em 2017 às ações de vigilância em saúde. "Para além das dificuldades atuais, o congelamento da aplicação mínima em saúde pelo governo federal trará prejuízos para o acesso da população aos serviços do SUS", avalia Fabíola.

O impacto da regra de teto de gastos se soma a uma tendência histórica da redução da participação de verbas federais para o financiamento da Saúde.

Quando o SUS foi criado, em 1988, a União era responsável por 72% dos gastos públicos na área. Essa participação é hoje de 43%. A diferença foi assumida por Estados e municípios (25,8%).

Élida Graziane Pinto, procuradora de Contas do Ministério Público de Contas de São Paulo, classifica a mudança como erro. "Neste período, a União expandiu a capacidade arrecadatória, que hoje é de 60%. Caberia a ela verter mais recursos no SUS, porque é quem mais arrecada", afirma.

Família

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Quando se avalia o total de recursos da área, o que se vê é que os gastos públicos estão abaixo do que famílias dispensam para o setor. As despesas com bens e serviços de saúde em 2015 representavam 9,1% do PIB.

Desse total, 5,2% era desembolsado por famílias. Só 3,9% eram governamentais. "Essa é mais uma distorção, algo que chama a atenção sobretudo pelo fato de que o SUS é universal", diz Elida.

Mais verba e gestão

Com R$ 3,60 por pessoa por dia, União, Estados e municípios financiam todas as consultas, internações, remédios, vacinas, exames e outros tratamentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para o professor da Universidade Estadual de Campinas Gastão Wagner, só esse cálculo seria suficiente para mostrar que o gigantismo do orçamento do SUS é mito. "Os valores são restritos. E, apesar das dificuldades, ele trouxe uma ampliação do acesso à saúde, sobretudo da atenção básica."

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Nos últimos anos, no entanto, ganhou força a tese de que saúde não precisa de recursos, mas de gestão. A pesquisadora do Ipea Fabíola Sulpino Vieira discorda e diz não haver como separar os dois movimentos. "É preciso investir para melhorar a gestão e, para isso, mais recursos são necessários." Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta para o mesmo caminho. Feito com 14 secretarias estaduais e 2.570 cidades, o trabalho indicou que 74% das secretarias municipais tinham dificuldades para identificar os principais problemas da população. E isso - afirma o secretário de Controle Externo do TCU, Marcelo Chaves - é fundamental para planejar os serviços e estabelecer o quanto é necessário se investir.

A falta de recursos e de gestão também traz reflexos na maneira como todo o sistema é organizado. Uma análise feita pela pesquisadora do Ipea com dados de 2011 mostra que só 29 municípios do País (0,5% do total) tinham muitas estrutura de média e alta complexidade. Ali vivia 25% da população do Brasil. Em 75% dos municípios, onde vivem 23% da população brasileira, não há serviço de média e alta complexidade. "Não há acesso igualitário de saúde. Dependendo de onde se vive, a pessoa pode ter acesso a um serviço melhor."

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Consultor na área de saúde da Confederação Nacional dos Municípios, Denilson Magalhães concorda. Para ele, a construção das políticas de Saúde devia partir dos municípios. Ele cita o exemplo do Samu. "Como ambulâncias seriam usadas no Amazonas? O modelo não atendia o Estado. Até que o sistema com lanchas foi organizado a pedido dos municípios." Magalhães diz que o oposto ocorreu com o programa da Saúde da Família. Ele começou no Ceará. "O uso de agentes comunitários se expandiu, foi adotado em outros Estados até chegar a ser uma recomendação da União."

Melhores indicadores

A secretária executiva Cláudia Maria de França, de 53 anos, está sem plano de saúde há um ano e meio. Não foi uma decisão fácil. Depois de deixar o emprego que oferecia assistência médica, ela contratou por um período um plano "falso coletivo", mas as mensalidades comprometiam boa parte de seu orçamento.

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Com a desistência, veio a insegurança. "Crescemos com a ideia de que um plano particular dá maior amparo. Ficar sem ele é como se alguém dissesse: 'A partir de agora, você estará sob risco'." Desde a decisão, ela afirma que pouco precisou de assistência. "Vou às vezes no posto, já sabendo que é preciso chegar cedo para garantir a vaga."

Cláudia integra um grupo de cerca de 3 milhões de pessoas que migraram da saúde suplementar para a assistência exclusiva no SUS, sistema criado há 30 anos e que, embora ainda desperte a desconfiança de boa parte da população, é apontado por especialistas como o principal responsável pela melhora nos indicadores do País.

"Não há dúvida sobre o impacto positivo do SUS para a população", diz o professor da Universidade Federal de Pelotas, Cesar Victora. "Mas o sistema, que já era subfinanciado, agora é ameaçado com a pressão para reduzir seu tamanho e dar prioridade a planos privados de saúde, muitos de baixa qualidade", avalia.

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Professor da Universidade Estadual de Campinas, Gastão Wagner tem avaliação semelhante. Ele afirma haver inúmeras evidências de que sistemas públicos e universais de saúde são mais eficientes do que modelos de mercado. Como exemplo, faz uma comparação de números da saúde nos Estados Unidos e no Reino Unido, que é universal. A saúde norte-americana tem um gasto equivalente a 16,4% do PIB. A do Reino Unido, por sua vez, de 7,11%. "E indicadores de saúde são equivalentes, com ligeira vantagem para o Reino Unido", completa Wagner

Além do financiamento, Victora e Wagner listam dois grandes desafios para o SUS: garantir a qualidade de atendimento e resguardar as conquistas obtidas pelo sistema. Os números recentes mostram que essa última tarefa é urgente.

A mortalidade infantil voltou a subir, depois de anos de queda. "A experiência internacional mostra que são raríssimos os casos em que tais retomadas ocorrem. A tendência é de que mesmo em situação de crise, as taxas de mortalidade, permaneçam estáveis", afirma o professor de epidemiologia da Universidade Federal da Bahia Naomar de Almeida Filho.

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"As exceções são raras, como em alguns países da África", afirma Almeida Filho. Mantida a tendência, completa o professor da Federal da Bahia, a expectativa de vida do brasileiro poderá diminuir.

A aumento da mortalidade de crianças surpreendeu especialistas e ocorre pouco depois da divulgação de dados que indicavam uma melhora nos indicadores até 2015. Um estudo coordenador por Maria de Fátima Marinho de Souza, que está à frente do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, mostra o avanço dos indicadores de saúde no País entre 1990 e 2015.

A taxa de mortalidade havia sofrido uma redução de 28,7%. Neste período, a taxa de mortalidade por diarreia havia caído 86,8% e de meningite, em 70,7%. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida ao nascer passou de 67,9 anos para 74,4 anos.

O retrocesso também está estampado nas estatísticas de malária. Depois de seis anos de queda, a infecção voltou a aumentar no ano passado. "Quando a doença começa a cair, a atenção se dispersa", afirma Cláudio Maierovitch, da Fundação Oswaldo Cruz. O retrocesso, avalia, tem um efeito perverso, que é a perda de mobilização. "Retomar os ganhos é sempre mais difícil do que avançar na primeira vez."

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Cláudia diz torcer pela melhora no sistema e não cogita voltar mais para os planos privados. "Minha mãe também se trata no SUS. Pode ser demorado, mas quando a gente consegue o tratamento, ele é de boa qualidade."

Como exemplo, ela cita uma cirurgia que fez durante o tratamento de câncer. "Uma das operações foi feita pelo SUS. Não ficou nada a dever aos hospitais privados. O atendimento é nosso direito. Talvez seja melhor, em vez de recorrer ao plano, cobrar bom atendimento, lutar pelo SUS."

Demora

O desafio da qualidade fica claro com o relato da estudante Karolini da Luz Oliveira, de 24 anos. Sentada à espera de atendimento na Casa de Saúde de Santa Maria (RS), ela não escondia o cansaço.

Estava em meados de junho e, só então, três meses depois da primeira visita ao médico, seu problema começava a ser solucionado. "Foram sete consultas, um socorro com ambulância, um desmaio, internação."

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Karolini estava com toxoplasmose, doença provocada por um parasita que causou na cidade gaúcha um surto de proporções nunca vista. Na primeira visita ao centro médico, em março, o diagnóstico foi virose.

Dias depois, como o problema não se resolvia, a estudante voltou ao posto, mas o sistema estava fora do ar. Em outra visita, já com nódulos, fez uma radiografia. Após desmaiar e ser internada, recebeu soro. Só na sexta consulta veio a hipótese da toxoplasmose, confirmada no exame. "Fico pensando quanto desgaste, quanto desperdício."

Wagner reconhece haver limitações do SUS, mas argumenta que o sistema ainda não foi totalmente implementado, não recebe recursos suficientes e não tem apoio político. "O primeiro passo é fazer com que o SUS ganhe corações e mentes: 75% da população depende exclusivamente dele, além de realizar serviços para toda sociedade." / L.F.

Mortalidade infantil

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A trajetória da taxa de mortalidade infantil no País é apontada como um claro exemplo de que os progressos alcançados na área de saúde estão longe de serem irreversíveis. Depois de 25 anos de queda, o Brasil registrou em 2016 o primeiro aumento nos indicadores de mortes entre crianças de até um ano. Foram 14 óbitos a cada mil nascidos vivos, 5% a mais do que havia sido contabilizado no ano anterior.

Inicialmente atribuído à redução de nascimentos por causa da zika, o crescimento da mortalidade também ocorreu em 2017. Dados preliminares mostram que 13,6 mortes a cada mil nascidos vivos. "A epidemia não explica o fenômeno por dois anos seguidos. Há provavelmente uma tendência de aumento", constata o professor da Universidade Federal de Pelotas, Cesar Victora.

Pobre

O pesquisador atribui em parte a retomada das taxas de mortalidade a retrocessos em áreas que sabidamente exercem influência na qualidade saúde, como emprego, renda e igualdade no acesso. "A população está mais pobre, mais suscetível", resume o professor. Não bastasse esses fatores, investimentos na saúde pública inferiores às necessidades comprometem também a qualidade da assistência médica - mesmo de programas voltados para problemas específicos, seja imunização, seja amamentação, seja cuidados básicos para saúde infantil.

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"As mortes por diarreia voltaram a aumentar. O programa de imunização, que sempre foi motivo de orgulho, também começou a mostrar sinais de retrocesso, com altos índices de crianças desprotegidas." Outra iniciativa considerada exemplar do País, o programa de aleitamento materno, também está estagnado. "Houve avanços muito importantes. Mas desde 2013, as taxas de amamentação exclusiva estão estacionadas em números baixos." Atualmente, 40% dos bebês recebem o aleitamento como alimentação exclusiva até os 6 meses. O ideal seria 100%. Com aleitamento, o bebê cresce com maior proteção contra infecções, por exemplo.

Para Victora, é essencial trabalhar pela melhora na qualidade do atendimento. "Esse é um dos desafios." E isso vale também para a assistência à gestante. Assim como a mortalidade infantil, a taxa de morte materna (durante a gestação e até 42 dias depois do parto) também considerada alta: 64,4 por 100 mil nascidos vivos. "Para reduzi-las, precisamos enfrentar a discussão sobre a liberação do aborto, melhorar o pré-natal e reduzir as cesáreas". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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