Juízes afastados: entenda o papel dos envolvidos em esquema de corrupção investigado pelo MPES
O Folha Vitória teve acesso a todo conteúdo investigado pelo MPES, que traz os indícios de corrupção envolvendo magistrados, empresário e advogados em suposta venda de sentença
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu, nesta quinta-feira (15), por unanimidade dos votos, afastar de forma cautelar os juízes Alexandre Farina e Carlos Alexandre Gutmann.
A decisão foi tomada após solicitação feita pelo Ministério Público do Estado para evitar que os magistrados interfiram na condução de um processo instaurado contra eles que investiga suposta venda de sentença. O processo tramita em segredo de Justiça.
O pedido de abertura de inquérito contra os juízes e outras sete pessoas foi protocolado no dia 31 de maio deste ano pela procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade.
O objetivo era apurar a suposta prática de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio. Por meio de fontes, o Folha Vitória teve acesso a todo conteúdo investigado pelo MPES, com cerca de 150 páginas, que traz os indícios de corrupção envolvendo magistrados, empresário e advogados.
Segundo as apurações do MPES, o juiz Alexandre Farina, da Comarca da Serra, teria recebido propina para intermediar a venda de sentença em favor de uma imobiliária.
A sentença foi proferida em março deste ano pelo juiz Carlos Alexandre Gutmann, que também teria recebido pagamento indevido para favorecer a empresa.
Além dos magistrados, o MPES ainda apontou a participação de outros envolvidos, como o dono da imobiliária que teria pagado propina para ser beneficiado no registro de um terreno. Advogados da empresa também são investigados por envolvimento no caso, além do ex-policial civil Hilário Frasson.
OS NOMES CITADOS PELO MPES:
- Alexandre Farina Lopes – juiz / Cormarca da Serra
- Carlos Alexandre Gutmann – juiz / Cormarca da Serra
- Hilário Antônio Frasson - ex-policial civil suspeito de mandar matar a esposa, a médica Milena Gottardi
-Davi Ferreira da Gama - ex-funcionário da Amages
-Eudes Cecato - dono da empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda Cecato
-Valmir Pandolfi - Apontado por pegar e entregar o dinheiro de propina
-Luiz Alberto Lima Martins – advogado da empresa
- Marcus Modenesi Vicente – advogado da empresa
- Alecio Jocimar Favaro - advogado da empresa
ENTENDA A PARTICIPAÇÃO DOS JUÍZES, EMPRESÁRIO E ADVOGADOS EM ESQUEMA, SEGUNDO O MPES
Segundo o MPES, os diálogos revelaram que Farina interferiu em um julgamento envolvendo a empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda, que teve o registro de um terreno na Serra negado pelo Cartório de Registro Geral de Imóveis (2ª Zona da Serra).
Como em casos como este é necessária manifestação do Judiciário, o processo foi instaurado pela titular responsável pelo cartório. Em petição protocolada em setembro de 2016, o caso foi para o Juízo da Vara da Fazenda Pública Estadual, de Registro Público e Meio Ambiente da Serra.
Segundo as investigações do MPES, Farina negociou o recebimento de dinheiro com a intermediação de Hilário e de Davi Ferreira da Gama, ex-funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages).
Os dois últimos mantinham contato direto com o empresário Eudes Cecato e com os advogados que representavam a empresa favorecida (Cecato Negócios Imobiliários) Luiz Alberto Lima Martins, Marcus Modenesi Vicente e Alecio Jocimar Favaro.
Os diálogos entre Hilário Frasson e Alexandre Farina para a suposta venda da decisão judicial teriam começado em fevereiro de 2017, conforme apontou o Ministério Público do Estado.
Já a sentença foi prolatada no dia 3 de março pelo magistrado Carlos Alexandre Gutman em favor da Cecato. "O juiz julgou improcedentes as exceções levantadas pela oficiala cartorária e determinando registro das escrituras públicas da empresa Cecato Negocios Imobiliários Ltda", apontou o órgão.
De acordo com os diálogos verificados pelo MPES, o pagamento de uma parte da propina teria ocorrido no dia 30 de março de 2017. Na ocasião, coube a Valmir Pandolfi pegar o dinheiro com Eudes Cecato e entregar para Hilário Frasson. No mesmo dia, Hilário teria repassado a quantia para o juiz Alexandre Farina.
Ainda segundo o MPES, mensagens posteriores indicaram que o empresário pagou integralmente o valor acordado.
DIÁLOGOS MOSTRAM COMO FOI PAGAMENTO DE PROPINA
Trechos de conversas entre os envolvidos mostram como foi a intermediação para o pagamento indevido.
Veja abaixo trechos na íntegra identificados pelo MPES
No dia 15 de fevereiro de 2017, às 9h30, Hilário Frasson e Alexandre Farina teriam se encontrado no prédio onde o magistrado mora. Na ocasião, eles teriam ligado para um dos advogado da empresa Cecato, Luiz Alberto Lima Martins.
Na tarde do mesmo dia, Hilário encaminhou mensagem para Farina informando que o advogado esteve no Fórum "despachando" e que "deixou o documento com o de Felipe".
No diálogo, alemão seria o juiz Carlos Alexandre Gutmann.
Hilário Frasson:
"O amigo esteve lá despachando avira"
"Deixou o documento com o de Felipe"
Farina repreende Hilário, respondendo que o documento foi entregue para a pessoa errada, que não deveria ter sido entregue para "de" Felipe, mas sim para o magistrado Carlos Alexandre Gutmann - referido na conversa pelo apelido "alemão" -, e que Hilário deveria ter lhe avisado a hora que o advogado chegou ao Fórum.
Alexandre Farina:
"Eu disse para vc me avisar"
"Tem que ir no Alemão"
"Poxa vida"
"Disse para vc me avisar irmão"
"Chama o adv (advogado)"
"Vou mandar o zapp o alemão"
Outro trecho indicaria, segundo MPES, o receio de Farina em não receber o dinheiro combinado.
Alexandre Farina:
"Cara o Davi foi lá no aeroporto encontrar com o cara, porra e ele disse que não vai dar."
"Não tem volta Hilário, como vou fazer, coloquei mais gente para dentro que
"irmão eu já fiz compromisso financeiro por conta disso e a terceira pessoa idem. E ai???
"Cara vc não tem ideia de como tou. Já chorei to tremendo, sabe pq, fiz compromissos com terceiros que em hipótese alguma posso falhar e, também, financeiro"
Hilário Frasson:
"Fica tranquilo"
"Ele vai me dar e eu vou repassar"
"Já disse"
"Nunca falhou"
Segundo o MPES fica explícito nesse diálogo que Hilário Frasson usualmente intermediava "negócios" para o empresário Eudes Cecato.
Nos dias seguintes, os dois seguem trocando mensagens, e Farina não apenas demonstra preocupação com o recebimento do dinheiro, mas também em manter a identidade preservada.
Alexandre Farina:
Hilário Frasson:
"Ele confirmou que vai me dar eu vou repassar para vocês"
"Amanha se quiser e ligar para ele na sua frente"
Alexandre Farina:
"Preciso de uma data para fazer o repasse e avisar a pessoa lá, entendeu?"
Hilário Frasson:
"Penso que no máximo 30 dias"
Alexandre Farina:
"Não quero que diga que este dinheiro é para mim, porra desde o início te fl (falei) isso. No final da conversa com Davi ele mandou me agradecer, aí é foda"
"Cara to desesperado"
"21h to na portaria de sua casa"
MP SOLICITA ABERTURA DE INQUÉRITO E MEDIDAS CAUTELARES
Com base nas provas, o Ministério Público do Estado defendeu a instauração de uma investigação para apurar os indícios de irregularidade. O pedido foi protocolado no TJES em maio deste ano.
"Conforme se depreende de toda essa narrativa, que fielmente retrata o conteúdo extraído do telefone celular apreendido, há justa causa para instauração de investigação pelo Estado para apurar a conduta dos citados agentes públicos", defendeu o MPES.
QUEBRA DE SIGILO
O órgão ainda pediu a quebra de sigilo dos dados/registros telefônicos, dados cadastrais telemáticos e de conexão eletrônica, informação da localização geográfica de Alexandre Farina, Davi Ferreira da Gama e Eudes Cecato.
"Conforme narrado, as tratativas entre os coautores aconteceram em encontros presenciais, ligações telefônicas, áudios e mensagens de texto, sendo de absoluta relevância extrair dos telefones dos demais envolvidos, dados que possam ser úteis para complementar a investigação, tal como registro de chamadas efetuadas entre eles".
BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR
O MPES solicitou a expedição de mandado de busca e apreensão em relação a Davi Ferreira da Gama e Eudes Cecato.
"São robustos os indícios no sentido de que o magistrado Alexandre Faria Lopes trocava mensagens sobre a venda de decisão judicial não apenas com Hilário Frasson, mas também com o investigado Davi Ferreira da Gama e que este, por sua vez, também mantinha contato com o investigado Eudes Cecato, a fim de negociar a vantagem indevida".
"Determinando sejam arrecadado(s) o(s) telefone(s) celular(es) pessoais dos investigados, de todos os gêneros, espécies, marcas e modelos, bem como quaisquer documentos e objetos que interessem ou tenham relação com os fatos investigados".
QUEBRA DO SIGILO FISCAL
O Ministério pediu, ainda, a quebra do sigilo fiscal de Alexandre Farina. Segundo o órgão "diante dos indícios que emergem dos autos, evidencia-se a necessidade de se conhecer a real situação financeira e patrimonial do investigado, notadamente criação e ou propriedade sobre gado ("vacas"), entre janeiro e dezembro de 2017.
O Ministério solicitou que a Secretaria da Fazendo enviasse, em 15 dias, notas fiscais eletrônicas que tivessem como destinatário ou eminente o juiz Farina.
Por fim, pediu que Justiça que fosse decretado o sigilo do inquérito.
JUSTIÇA AUTORIZA INQUÉRITO
A relatora do caso, desembargadora Elizabeth Lordes autorizou a abertura de inquérito e o cumprimento das medidas cautelares no dia 10 de junho.
"Há justa causa para instauração de investigação pelo Ministério Público Estadual para apurar a conduta dos citados agentes públicos".
No dia 24 de junho a procuradora-geral de Justiça Luciana Andrade ainda apresentou pedido de quebra de sigilo dos metadados do Whatsapp dos investigados, o que foi deferido pela Justiça no dia 7 de julho.
TJES AFASTA DOIS JUÍZES: RELATORA CITA VAZAMENTO
Na sessão desta quinta-feira (15) do TJES, a desembargadora Elisabeth Lordes citou como um dos motivos para o afastamento dos juízes o indicativo de vazamento do processo.
Além de ficarem afastados de seus cargos, os magistrados deverão manter uma distância de pelo menos 500 metros do Fórum da Serra, comarca em que atuam, e também não poderão ter contato com assessores e demais servidores do judiciário.
"Para justificar o afastamento, a procuradora alega que há indicativos de que antes do cumprimento das medidas de urgência houve vazamento do conteúdo dos autos e das medidas concedidas indicando que os alvos se prepararam para busca e apreensão em suas residências. Bem como houve comunicação entre alguns dos investigados logo após o proferimento da decisão, além de outras evidências demonstrando que os investigados permanecem praticando fatos semelhantes que possam tentar encobrir ou atrapalhar as investigações quanto aos fatos apurados nestes autos: influir sobre as testemunhas, ocultar vestígios ou apagar provas o que justificaria o afastamento dos magistrados de suas funções", destacou a relatora do processo Elisabeth Lordes.
O QUE DIZ A AMAGES
A Amages informou, por meio de nota, que os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann pediram afastamento da diretoria. Farina era vice-presidente de Direitos Humanos da associação.
"A Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) esclarece, através de sua assessoria de imprensa, que Davi Ferreira não é mais funcionário da Amages desde janeiro de 2021 e que os juízes de Direito mencionados pediram afastamento da diretoria, até total esclarecimento dos fatos, e a Amages, enquanto entidade associativa, como é praxe, dará o apoio necessário a defesa dos seus associados. Reforça que a entidade não é parte investigada e confia nas instituições e no respeito aos princípios constitucionais".
O OUTRO LADO: O QUE DIZEM AS DEFESAS DOS INVESTIGADOS NO ESQUEMA
O advogado do juiz Alexandre Farina, Rafael Lima, disse que ainda não teve acesso ao processo na íntegra.
"O julgamento foi uma surpresa para todos nós porque o processo está em segredo de Justiça. Se falou tanto em apuração de vazamento do processo e, no entanto, o julgamento foi público. Nós respeitamos, vamos acatar a decisão do Tribunal e nos inteirarmos do processo para nos posicionarmos melhor".
O advogado que representa o juiz Carlos Alexandre Gutmann, Raphael Câmara, disse que não existe qualquer mensagem enviada ou recebida pelo juiz em toda investigação. "A defesa reitera que o magistrado é inocente e que esclarecerá a verdade rapidamente”.
O advogado Marcus Modenesi Vicente garante que sempre pautou a sua atuação profissional na mais estrita legalidade, adotando conduta ética e idônea no exercício da advocacia. Informa que desconhece supostas negociações ilícitas envolvendo quaisquer dos processos em que atuou e atua.
Destaca também que se antecipou e já se colocou à disposição das autoridades para prestar todas as informações que se fizerem necessárias. E acredita que toda a verdade será esclarecida.
O advogado Luiz Alberto Lima Martins está seguro em relação à sua atuação profissional e à legalidade de seus atos, já tendo se colocado à disposição da Justiça para esclarecimentos. Acredita, ainda, que toda a verdade será esclarecida.
A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas de Hilário Frasson, Davi Ferreira da Gama, Valmir Pandolfi, Alécio Jocimar Favaro e Eudes Cecato.
Com a colaboração do produtor da TV Vitória Matheus Foletto.