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Política

Hilário queria que Milena Gottardi fosse morta na Serra para ser julgado por 'juiz amigo'

A partir da informação sobre as ligações entre o ex-policial civil e o juiz Alexandre Farina, o Ministério Público descobriu um caso de venda de sentença no Estado

Rodrigo Araújo , Luana Damasceno de Almeida

Redação Folha Vitória
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Foto: TV Vitória
Hilário Frasson teria dito que Milena Gottardi deveria ser assassinada na Serra
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Acusado de ser um dos mandantes do assassinato da médica Milena Gottardi, ocorrido em setembro de 2017, em Vitória, o ex-marido da vítima, Hilário Frasson, teria sugerido que o crime fosse cometido na Serra. 

O motivo, segundo ele, era de que o juiz responsável pela Vara Criminal daquela comarca era seu amigo.

A informação foi dada, em depoimento, por Dionatas Alves Vieira, acusado de ser o executor do assassinato da médica. Além disso, durante as investigações sobre a morte de Milena Gottardi, os procuradores do Ministério Público Estadual (MPES), ao terem acesso ao celular de Hilário, constataram que o ex-policial civil havia dito que o crime deveria ter sido cometido na Serra.

A partir desta informação, o MPES descobriu que o juiz em questão era Alexandre Farina Lopes, suspeito de intermediar uma venda de sentença, em favor de uma empresa do Espírito Santo. 

Ele e o também magistrado Carlos Alexandre Gutmann foram afastados preventivamente de suas funções pelo TJES. Gutmann, que também atua na Serra, foi o juiz que proferiu a sentença, em troca de vantagens indevidas, segundo o Ministério Público.

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A decisão sobre o afastamento dos magistrados foi tomada pelos desembargadores que compõem o Pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), durante sessão realizada na quinta-feira (15).

Por unanimidade, eles acataram o pedido da medida cautelar, feito pelo MPES, que inclui também a impossibilidade de os juízes se aproximarem de uma distância inferior a 500 metros do Fórum da Serra, além de não manterem contatos com assessores e demais servidores do judiciário.

Hilário Frasson teria sido um dos intermediadores da venda dessa sentença, segundo constatou a investigação do Ministério Público. A partir da quebra do sigilo telefônico do ex-policial civil, os procuradores encontraram diversos diálogos entre Hilário e Alexandre Farina, negociando a venda da sentença.

Foto: Reprodução / Twitter

Em seu voto, durante a sessão do Pleno, na quinta-feira, a relatora do processo contra os juízes no TJES, desembargadora Elisabeth Lordes, destacou que a fala de Hilário, indicando que o juiz da Serra seria seu amigo, foi o que fez com que os procuradores do MPES chegassem até o nome de Alexandre Farina e descobrissem as negociações a respeito da sentença proferida por Gutmann.

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Segundo a desembargadora, o fato de o ex-policial civil ter declarado que preferia ser julgado na Serra "robustece o vínculo associativo entre Hilário Frasson e Alexandre Farina Lopes".

"Ele diz que esse crime deveria ter sido cometido na Serra, porque o juiz da Serra era amigo dele, e era mais fácil resolver as coisas lá. Com essa fala, o Ministério Público foi investigar quem era esse juiz e aí apareceu o nome do Alexandre Farina", declarou a relatora.

Os diálogos entre Hilário e Farina, a respeito da venda da sentença, ocorreram em fevereiro de 2017, e a decisão de Carlos Alexandre Gutmann foi proferida em março daquele ano. Portanto, foram antes do assassinato de Milena Gottardi, que nada tem a ver com o processo da suposta prática de corrupção.

As investigações contra Farina e Gutmann começaram em dezembro do ano passado. A relatora do caso disse que chegou a questionar a procuradora-geral do Estado, Luciana Andrade, sobre o porquê de fatos ocorridos em 2017 terem sido descobertos apenas em 2020.

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"Ela explicou que o Ministério Público colhe esses celulares e, à medida que vai sendo feita a escuta, eles querem somente esclarecer determinado crime. E, no caso ali, era o homicídio da doutora Milena. Lá pelas tantas das escutas, apareceu essa fala desse acusado naquele processo", disse Elisabeth Lordes.

Foto: TV Vitória

Hilário Frasson está preso desde 2017, quando a Polícia Civil descobriu o envolvimento dele no assassinato de Milena Gottardi. A previsão é de que ele e os outros cinco acusados de participação do crime — entre mandantes, intermediários e executores — sejam julgados no dia 23 de agosto, no Fórum Criminal de Vitória, no Centro da capital.

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Entenda a investigação sobre a venda de sentença no ES

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O pedido de abertura de inquérito contra os juízes e outras sete pessoas foi protocolado no dia 31 de maio deste ano pela procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade.

O objetivo era apurar a suposta prática de corrupção passiva, corrupção ativa e exploração de prestígio. Por meio de fontes, o Folha Vitória teve acesso a todo conteúdo investigado pelo MPES, com cerca de 150 páginas, que traz os indícios de corrupção envolvendo magistrados, empresário e advogados.

Segundo as apurações do MPES, o juiz Alexandre Farina, da Comarca da Serra, teria recebido propina para intermediar a venda de sentença em favor de uma imobiliária localizada no município de Fundão.

A sentença foi proferida em março de 2017 pelo juiz Carlos Alexandre Gutmann, que também teria recebido pagamento indevido para favorecer a empresa. 

Além dos magistrados, o MPES ainda apontou a participação de outros envolvidos, como o dono da imobiliária que teria pago propina para ser beneficiado no registro de um terreno. Advogados da empresa também são investigados por envolvimento no caso, além do ex-policial civil Hilário Frasson.

OS NOMES CITADOS PELO MPES:

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- Alexandre Farina Lopes – juiz / Comarca da Serra
- Carlos Alexandre Gutmann – juiz / Comarca da Serra
- Hilário Antônio Fiorot Frasson - ex-policial civil suspeito de mandar matar a esposa, a médica Milena Gottardi
- Davi Ferreira da Gama - ex-funcionário da Amages
- Eudes Cecato - empresário
- Valmir Pandolfi - transportou dinheiro de propina
- Luiz Alberto Lima Martins – advogado da Cecato
- Marcus Modenesi Vicente – advogado da Cecato
- Alecio Jocimar Favaro - advogado da Cecato

ENTENDA A PARTICIPAÇÃO DOS JUÍZES, EMPRESÁRIO E ADVOGADOS EM ESQUEMA, SEGUNDO O MPES 

Foto: Arte/ Júlio Lopes

O PROCESSO QUE LEVOU À NEGOCIAÇÃO DA SENTENÇA

Segundo o MPES, os diálogos revelaram que Farina interferiu em um julgamento envolvendo a empresa Cecato Negócios Imobiliários Ltda, que teve o registro de um terreno na Serra negado pelo Cartório de Registro Geral de Imóveis (2ª Zona da Serra).

Como em casos como este é necessária manifestação do Judiciário, o processo foi instaurado por Etelvina Abreu do Valle Ribeiro, titular responsável pelo cartório. Em petição protocolada em setembro de 2016, o caso foi para o Juízo da Vara da Fazenda Pública Estadual, de Registro Público e Meio Ambiente da Serra.

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A sentença beneficiando a empresa saiu em março de 2017. Os diálogos entre Hilário Frasson e Alexandre Farina para a suposta venda da decisão judicial teriam começado um mês antes, conforme apontou o Ministério Público do Estado.

DIÁLOGOS MOSTRAM COMO FOI PAGAMENTO DE PROPINA

Segundo as investigações do MPES Farina negociou o recebimento de dinheiro com a intermediação de Hilário e de Davi Ferreira da Gama, funcionário da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages).

Os dois últimos mantinham contato direto com o empresário Eudes Cecato e com os advogados que representavam a empresa favorecida (Cecato Negócios Imobiliários) Luiz Alberto Lima Martins, Marcus Modenesi Vicente e Alecio Jocimar Favaro.

Trechos de conversas entre os envolvidos mostra como foi a intermediação para o pagamento indevido. 

Veja abaixo trechos na íntegra identificados pelo MPES

No dia 15 de fevereiro de 2017, às 9h30, Hilário Frasson e Alexandre Farina teriam se encontrado no prédio onde o magistrado mora. Na ocasião, eles teriam ligado para um dos advogado da empresa Cecato, Luiz Alberto Lima Martins.

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Na tarde do mesmo dia, Hilário encaminhou mensagem para Farina informando que o advogado esteve no Fórum "despachando" e que "deixou o documento com o de Felipe".

No diálogo, "Alemão" seria o juiz Carlos Alexandre Gutman.

Hilário Frasson:

"O amigo esteve lá despachando avira"
"Deixou o documento com o de Felipe"

Farina repreende Hilário, respondendo que o documento foi entregue para a pessoa errada, que não deveria ter sido entregue para "de" Felipe, mas sim para o magistrado Carlos Alexandre Gutmann — referido na conversa pelo apelido "Alemão" — e que Hilário deveria ter lhe avisado a hora que o advogado chegou ao Fórum.

Alexandre Farina

"Eu disse para vc me avisar"
"Tem que ir no Alemão"
"Poxa vida"
"Disse para vc me avisar irmão"
"Chama o adv"
"Vou mandar o zap p o alemão "

Outro trecho indicaria, segundo MPES, o receio de Farina em não receber o dinheiro combinado. 

Alexandre Farina

"Cara o Davi foi lá no aeroporto encontrar com o cara, porra e ele disse que não vai dar."
"Não tem volta Hilário, como vou fazer, coloquei mais gente para dentro que

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nem o Davi sabe, nem pode saber. aqui entre colunas. Amigo, o cara foi para Salvador, chamou Davi antes de embarcar e disse: não vou dar e se der errado lá eu recorro não prometi nada para ng (ninguém), no máximo era um agrado. Porra, fala sério, uma ginástica monstra em todos os sentidos, insinuações eu passei e coloquei para fuder e agora isso??? E aí???"
"irmão eu já fiz compromisso financeiro por conta disso e a terceira pessoa idem. E ai???
"Cara vc não tem ideia de como tou. Já chorei to tremendo, sabe pq, fiz compromissos com terceiros que em hipótese alguma posso falhar e, também, financeiro" 

Hilário Frasson:

"Fica tranquilo"
"Ele vai me dar e eu vou repassar"
"Já disse"
"Nunca falhou" 

MP SOLICITA ABERTURA DE INQUÉRITO E MEDIDAS CAUTELARES

Com base nas provas, o Ministério Público do Estado defendeu a instauração de uma investigação para apurar os indícios de irregularidade. O pedido foi protocolado no TJES em maio deste ano.

"Conforme se depreende de toda essa narrativa, que fielmente retrata o conteúdo extraído do telefone celular apreendido, há justa causa para instauração de investigação pelo Estado para apurar a conduta dos citados agentes públicos", defendeu o MPES. 

QUEBRA DE SIGILO

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O órgão ainda pediu a quebra de sigilo dos dados/registros telefônicos, dados cadastrais telemáticos e de conexão eletrônica, informação da localização geográfica de Alexandre Farina, Davi Ferreira da Gama e Eudes Cecato

"Conforme narrado, as tratativas entre os coautores aconteceram em encontros presenciais, ligações telefônicas, áudios e mensagens de texto, sendo de absoluta relevância extrair dos telefones dos demais envolvidos, dados que possam ser úteis para complementar a investigação, tal como registro de chamadas efetuadas entre eles".

BUSCA E APREENSÃO

O MPES solicitou a expedição de mandado de busca e apreensão em relação a Davi Ferreira da Gama e Eudes Cecato.

"São robustos os indícios no sentido de que o magistrado Alexandre Faria Lopes trocava mensagens sobre a venda de decisão judicial não apenas com Hilário Frasson, mas também com o investigado Davi Ferreira da Gama e que este, por sua vez, também mantinha contato com o investigado Eudes Cecato, a fim de negociar a vantagem indevida".

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"Determinando sejam arrecadado(s) o(s) telefone(s) celular(es) pessoais dos investigados, de todos os gêneros, espécies, marcas e modelos, bem como quaisquer documentos e objetos que interessem ou tenham relação com os fatos investigados".

QUEBRA DO SIGILO FISCAL

O Ministério pediu, ainda, a quebra do sigilo fiscal de Alexandre Farina. Segundo o órgão "diante dos indícios que emergem dos autos, evidencia-se a necessidade de se conhecer a real situação financeira e patrimonial do investigado, notadamente criação e ou propriedade sobre gado ("vacas"), entre janeiro e dezembro de 2017. 

O Ministério solicitou que a Secretaria da Fazendo enviasse, em 15 dias, notas fiscais eletrônicas que tivessem como destinatário ou eminente o juiz Farina.

Por fim, pediu que Justiça que fosse decretado o sigilo do inquérito. 

JUSTIÇA AUTORIZA INQUÉRITO

A relatora do caso, desembargadora Elisabeth Lordes, recebeu os autos do processo no dia 11 de junho. Três dias depois, autorizou a abertura de inquérito e o cumprimento das medidas cautelares.

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"Há justa causa para instauração de investigação pelo Ministério Público Estadual para apurar a conduta dos citados agentes públicos". 

TJES AFASTA DOIS JUÍZES: RELATORA CITA VAZAMENTO

Na sessão desta quinta-feira (15) do TJES, a desembargadora Elisabeth Lordes citou como um dos motivos para o afastamento dos juízes o indicativo de vazamento do processo. 

Além de ficarem afastados de seus cargos, os magistrados deverão manter uma distância de pelo menos 500 metros do Fórum da Serra, comarca em que atuam, e também não poderão ter contato com assessores e demais servidores do judiciário.

"Para justificar o afastamento, a procuradora alega que há indicativos de que antes do cumprimento das medidas de urgência houve vazamento do conteúdo dos autos e das medidas concedidas indicando que os alvos se prepararam para busca e apreensão em suas residências. Bem como houve comunicação entre alguns dos investigados logo após o proferimento da decisão, além de outras evidências demonstrando que os investigados permanecem praticando fatos semelhantes que possam tentar encobrir ou atrapalhar as investigações quanto aos fatos apurados nestes autos: influir sobre as testemunhas, ocultar vestígios ou apagar provas o que justificaria o afastamento dos magistrados de suas funções", destacou a relatora do processo Elisabeth Lordes.

O QUE DIZ A AMAGES

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A Amages informou, por meio de nota, que os juízes Alexandre Farina e Carlos Gutmann pediram afastamento da diretoria. Farina era vice-presidente de Direitos Humanos da associação. 

"A Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages) esclarece, através de sua assessoria de imprensa, que Davi Ferreira não é mais funcionário da Amages desde janeiro de 2021 e que os juízes de Direito mencionados pediram afastamento da diretoria, até total esclarecimento dos fatos, e a Amages, enquanto entidade associativa, como é praxe, dará o apoio necessário a defesa dos seus associados. Reforça que a entidade não é parte investigada e confia nas instituições e no respeito aos princípios constitucionais".

O OUTRO LADO: O QUE DIZEM AS DEFESAS DOS INVESTIGADOS NO ESQUEMA

O advogado do juiz Alexandre Farina, Rafael Lima, disse que ainda não teve acesso ao processo na íntegra.

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"O julgamento foi uma surpresa para todos nós porque o processo está em segredo de Justiça. Se falou tanto em apuração de vazamento do processo e, no entanto, o julgamento foi público. Nós respeitamos, vamos acatar a decisão do Tribunal e nos inteirarmos do processo para nos posicionarmos melhor".

O advogado que representa o juiz Carlos Gutmann não retornou aos contatos feitos pela reportagem.

O advogado Marcus Modenesi Vicente garante que sempre pautou a sua atuação profissional na mais estrita legalidade, adotando conduta ética e idônea no exercício da advocacia. Informa que desconhece supostas negociações ilícitas envolvendo quaisquer dos processos em que atuou e atua.

Destaca também que se antecipou e já se colocou à disposição das autoridades para prestar todas as informações que se fizerem necessárias. E acredita que toda a verdade será esclarecida.

O advogado Luiz Alberto Lima Martins está seguro em relação à sua atuação profissional e à legalidade de seus atos, já tendo se colocado à disposição da Justiça para esclarecimentos. Acredita, ainda, que toda a verdade será esclarecida.

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A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas de Hilário Frasson, Davi Ferreira da Gama, Valmir Pandolfi, Alécio Jocimar Favaro e Eudes Cecato.

Com a colaboração do produtor da TV Vitória Matheus Foletto

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