Decisão do TJES acentua divergência entre Legislativo e Judiciário sobre comarcas; CNJ vota tema na terça-feira
Na última quinta-feira (27), o Tribunal de Justiça do Estado suspendeu decreto da Assembleia Legislativa que impedia incorporação das comarcas
As discussões sobre a incorporação das comarcas no Espírito Santo ganhou novo capítulo nessa semana, acentuando a divergência entre o Legislativo e o Judiciário em torno do tema. Na última quinta-feira (27), o Tribunal de Justiça do Estado suspendeu o decreto da Assembleia Legislativa que impedia a incorporação das comarcas. A decisão foi referente a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela procuradora-geral de Justiça do Ministério Público, Luciana Gomes Ferreira. Para os desembargadores, a Ales não tem competência para decidir sobre a organização administrativa do Judiciário.
O relator desembargador Fernando Bravin votou pelo deferimento da liminar do MPES, com efeito retroativo ao dia 26 de março, quando o decreto legislativo foi promulgado. "A Constituição da República estabelece a competência privativa do Poder Judiciário para dispor sobre a competência e funcionamento de seus respectivos órgãos juridicionais", destacou.
A votação seguiu acompanhada de críticas ao decreto aprovado pela Ales. O desembargador Manoel Alves Rabelo ironizou, dizendo que "brevemente nós não vamos nem precisar de CNJ porque teremos a Ales para disciplinar e controlar todos os atos do poder judiciário local".
Carlos Simões Fonseca, presidente da comissão responsável por fazer um estudo preliminar sobre a incorporação das comarcas, reforçou que todo o trabalho que baseou a decisão foi feito com transparência e diálogo. Ainda criticou o presidente da OAB, José Carlos Riszk, a quem acusou de fazer alarde e de nunca ter procurado membros da comissão. "A comissão fez um estudo, levou as sugestões, entregou ao presidente do Tribunal, cumprimos a nossa obrigação com a participação efetiva de três advogados da OAB. (...) Aqui se trata de defender a autonomia deste Tribunal, que precisa ser respeitado nas suas decisões".
Já o desembargador Fábio Clem fez críticas referentes à falta de abertura do Judiciário em dialogar sobre o tema. Ainda defendeu que o assunto precisa ser rediscutido para que o Tribunal esclareça o que fará para não tirar o serviço público até então prestado aos juridicionados. "Qual a solução será dada? Pois do contrário todos ficarão órfãos e ao sabor do arbítrio de um poder que deve ser exercido como um lugar de acolhimento, e não de exclusão de pessoas".
Clem argumentou que não se pode fechar os olhos para as desigualdades sociais com o argumento de fazer economia com os gastos públicos. "O Tribunal pode discutir a constitucionalidade da medida adotada pela Assembleia. Mas, jamais, a legitimidade para adotá-la em nome dos cidadãos que cada parlamentar representa. Por isso, não nos é dado o direito de ignorá-la sem pagarmos um preço altíssimo pela falta de relacionamento institucional que parcela da sociedade considerou e sempre considerará até mesmo uma arrogância do poder Judiciário", criticou. Por fim, ele se declarou suspeito e se absteve de votar por ter uma posição política sobre o assunto.
Os demais desembargadores pontuaram que o decreto legislativo da Ales viola a autonomia do Judiciário. Defenderam ainda que não haverá extinção de comarcas, e que a integração vai garantir mais eficiência ao trabalho do Judiciário.
A decisão dos magistrados foi unânime e tem caráter provisório, ou seja, o mérito da matéria ainda será julgado. A Assembleia Legislativa não se posicionou sobre o entendimento do Tribunal.
Votação
Os deputados estaduais votaram, no dia 24 de maio, contra a extinção de 27 comarcas no Espírito Santo. A matéria gerou debates entre os deputados por conta do parecer do relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Marcelo Santos (Podemos).
O parlamentar admitiu que o projeto apresentado é inconstitucional porque o Legislativo não pode sustar atos do Judiciário. Ainda assim, o parecer foi no sentido contrário. "Eu vim dizendo aqui (no relatório) que não é uma Casa que essencialmente faz controle de constitucionalidade, é uma Casa política. Quantas vezes votamos matérias aqui, aprovando ela, meramente para chamar atenção do poder Executivo? E nesse caso nós estamos chamando a atenção do Judiciário", defendeu Marcelo.
O relatório gerou dúvidas entre os parlamentares. "Se o deputado pudesse resumir o relatório somente à constitucionalidade, legalidade e boa técnica legislativa, ok. Se não acho que fica muito prejudicada a discussão", disse o deputado Vandinho Leite (PSDB). O presidente do colegiado de Justiça, deputado Gandini (Cidadania), pediu a orientação da Procuradoria da Casa. Marcelo Santos, entretanto, ratificou o parecer pela constitucionalidade e falou que não iria mais anexar qualquer documento ao relatório.
CNJ
A incorporação das comarcas é uma recomendação do CNJ para enxugar gastos do Judiciário capixaba. O tema ganhou força no ano passado, principalmente diante a crise econômica por conta da pandemia da covid-19. Depois de criar uma comissão para discutir o tema, os desembargadores que compõem o pleno do TJES decidiram integrar 27 comarcas do Espírito Santo. A decisão, de maio de 2020, foi unânime e contempla regiões do interior do Estado.
A OAB-ES reagiu, e apresentou no CNJ um procedimento de controle administrativo pedindo a suspensão imediata das resoluções do TJES. Em junho do ano passado, a conselheira Ivana Farina concedeu liminar (decisão provisória) pedindo a suspensão da integração. No início de agosto, a decisão foi referendada pelos demais conselheiros.
No dia 4 de maio deste ano, o Conselho iniciou o julgamento do mérito. Na ocasião, a conselheira Ivana Farina mudou o posicionamento anterior, e votou favorável à medida do Tribunal de Justiça do Estado, que defende a incorporação das comarcas. Como os demais conselheiros pediram mais tempo para analisar o processo, o julgamento foi adiado. O tema voltará a ser discutida na próxima terça-feira (1°).
A medida reduz de 69 para 42 o número de comarcas. Assim, 27 municípios deixariam de ter fóruns. Segundo a OAB-ES, a medida afeta a advocacia local e leva prejuízos à população, dificultando o acesso ao atendimento à justiça.