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CASO KAUÃ E JOAQUIM

Julgamento do ex-pastor Georgeval: entenda como funciona o Tribunal do Júri

Acusado de estuprar e matar o filho e o enteado, ele será submetido à prática trazida por dom Pedro I que hoje é usada para julgar crimes dolosos contra a vida

Isabella Arruda

Redação Folha Vitória
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Foto: Montagem / Folha Vitória
Georgeval Alves será julgado pelas mortes de Joaquim e Kauã
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Emblemático, o julgamento do ex-pastor Georgeval Alves Gonçalves acontecerá a partir da próxima segunda-feira (3), com início às 9h, no Fórum de Linhares, no Norte do Espírito Santo. Será um Tribunal do Júri. Mas você sabe em quais circunstâncias cidadãos comuns ajudam a decidir o destino de um réu por meio de uma votação?

Georgeval vai a júri popular quase cinco anos após o crime em que é acusado de ter estuprado e matado o filho Joaquim Alves, 3 anos, e o enteado Kauã Butkovsky, 6, na casa em que a família morava, em Linhares.

Contra ele pesam os crimes de duplo homicídio qualificado, estupros de vulneráveis e tortura. O caso causou muita comoção no Espírito Santo, o que torna o julgamento do ex-pastor um dos mais esperados dos últimos tempos.

Diante da complexidade do caso, cujos indícios apontam para a presença de requintes de crueldade, é possível que o julgamento se estenda por dias. Para entender melhor como funciona o Tribunal do Júri, a reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas.

Historicamente: como nasceu o Júri Popular?

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Israel Domingos Jorio, doutor em Direitos e Garantias Fundamentais, professor de Direito Penal e advogado criminalista, traçou um histórico sobre o Tribunal do Júri. Segundo ele, há divergências quanto à origem histórica, com alguns autores o situando ainda na Grécia e em Roma.

“Apesar disso, a maioria dos escritores identifica o modelo mais próximo do formato atual como sendo originariamente o inglês, adotado por volta do século XIII. No sistema jurídico do Brasil, está presente desde o período imperial, mas teve sua relevância aumentada após a proclamação da República e no começo do século XX, quando assumiu os contornos básicos da versão que até hoje vemos em vigor”, relatou.

Em resumo, o jurista explica que o tribunal popular se trata de uma instrução e sessão de julgamento presididas por um juiz de Direito, porém com o veredicto sendo proferido a partir de votos de sete jurados do povo.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Anderson Burke

Detalhando um pouco mais o assunto, o advogado criminal, professor de Direito Penal e presidente da Comissão da advocacia criminal da OAB-ES, Anderson Burke, afirma que enquanto instrumento usado na Inglaterra, no século XIII, o júri popular estava mais atrelado a casos de posse e propriedade.

"Foi trazido para o Brasil em 1822, por dom Pedro I, quando o Brasil chega no período em que passa a julgar crimes de imprensa. À época eram 24 juízes de fato”, disse.

Segundo explica também o criminalista Cássio Rebouças, no Brasil, o Júri acabou de completar 200 anos de existência e foi criado durante o governo de dom Pedro I, inicialmente apenas voltado para julgamento de crimes de imprensa.

Em que casos acontece o julgamento popular?

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Na explicação de Rebouças, atualmente, o Tribunal do Júri é competente para o julgamento dos "crimes dolosos contra a vida", que são aqueles em que se constata intenção de querer matar. “Então são julgados crimes, consumados e tentativas, de homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto".

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Israel Jorio

Jorio acrescentou que os crimes que sejam conexos, ou seja, que tenham acontecido no mesmo contexto que o crime doloso contra a vida, ou que guardem com ele uma clara ligação, como a ocultação ou a destruição do cadáver, por exemplo, são “atraídos” pelo Júri e se tornam objeto de julgamento pelo Tribunal Popular, também. Desse modo, são julgados conjuntamente.

Também segundo o doutor, estes julgamentos acontecem em sessões plenárias geralmente abertas ao público em geral.

“Como regra, qualquer pessoa pode assistir ao julgamento. Em alguns casos, de grande comoção, capazes de gerar muito tumulto, ou em processos que tramitam sob sigilo, como os que envolvem crimes sexuais, por exemplo, o juiz tem poderes para limitar o acesso e conduzir a sessão de modo reservado”, pontuou.

Para Burke, em geral os julgamentos públicos, mas, na hora da votação pelos jurados, é uma fase secreta. “Geralmente há uma sala reservada. Quando não há, todos saem do plenário. Na pandemia houve restrições de público por questões de saúde”, disse.

Sorteio dos jurados

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Há uma lista geral de jurados, segundo Rebouças, e, dentre estes, a cada sessão, são sorteados sete que deverão compor o Conselho de Sentença e que serão responsáveis pelo julgamento. E para ser jurado, basta que seja cidadão maior de 18 anos e de notória idoneidade.

Israel acrescenta que as pessoas podem se voluntariar e que órgãos públicos e entidades de classe, associações de bairro, geralmente são consultadas sobre pessoas que queiram se alistar.

“Se o número legal não for atingido, que pode variar a depender do local e número de habitantes, o juiz deverá completar a relação alistando cidadãos maiores comprovadamente idôneos. Qualquer pessoa com mais de 18 anos e que seja idônea, ou seja, que não tenha condenações criminais e nem processos criminais em curso, pode ser alistada”, frisou.

Ainda segundo o especialista, o serviço é obrigatório, ou seja, quem é convocado deve comparecer, mesmo que não tenha se voluntariado. “Quem funcionar no Conselho de Sentença, isto é, figurar entre os sete que efetivamente participam do julgamento, não pode servir novamente pelo prazo de 12 meses”, continuou.

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Há diversos impedimentos específicos para ser um jurado. Por exemplo, já ter sido jurado sobre o mesmo caso em sessão anterior; ter parentesco com a vítima, com o acusado, com as autoridades ou com os advogados.

Jorio pontuou que, estabelecida a lista geral dos jurados, com alguma antecedência serão sorteados 25 cidadãos. Estando pelo menos 15 presentes no dia da sessão, o juiz dará prosseguimento.

“Começa, então, o sorteio do Conselho de Sentença, que é o grupo daqueles que efetivamente participarão do julgamento e darão seus votos. É formado por apenas sete pessoas. A acusação e a defesa podem recusar, cada uma, até três jurados sorteados”, pontuou.

Como acontece o Júri?

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Cássio Rebouças

O advogado Cassio Rebouças sintetizou qual é o ritual do Tribunal do Júri. Antes do Plenário, segundo ele, há uma fase processual, que tramita perante o juiz, e que, ao final, decidirá se o acusado deve ou não ir a julgamento perante o júri, ou seja, se ele será pronunciado.

“A sessão de Plenário do Júri propriamente dita se inicia com o sorteio dos jurados e após os procedimentos de rotina, são ouvidas as testemunhas da acusação, testemunhas da defesa e é realizado o interrogatório do(s) acusado(s). Após estas oitivas, a acusação tem a palavra por um prazo máximo de 1h30, depois a defesa por mais 1h30. Após isto, a acusação pode retornar para a réplica, mais uma fala de 1h e, se assim o fizer, a defesa, que sempre fala por último, tem mais uma hora”, esclareceu.

Finalizados os debates, que são compostos por estas falas entre acusação e defesa, é feita a votação secreta pelos sete jurados, sendo a votação interrompida quando se alcança o número de quatro votos para um dos lados. 

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“De acordo com a decisão dos jurados, o juiz presidente apenas redige a sentença e elabora a dosimetria, que é a duração da pena, de acordo com o que foi decidido pelo Conselho de Sentença”, resumiu.

De acordo com Anderson Burke, quando acontece de haver mais de um réu sendo julgado, em vez de 1h30 para a palavra da acusação e da defesa, isso se amplia para 2h30. Além disso, nestes casos, as réplicas e tréplicas também terão uma hora a mais.

Com riqueza de detalhes, o doutor Israel acrescentou que os jurados votam, na ordem, sobre:

• a materialidade do fato (ou seja, se houve ou não a ocorrência do crime doloso contra a vida);
• a autoria ou participação do acusado no fato;
• se o acusado deve ser absolvido – e a resposta afirmativa a esse quesito já encerra as votações. Caso não seja absolvido, os jurados votam sobre se existem qualificadoras, privilégios, causas de aumento ou de diminuição da pena que entendem ser aplicáveis ao caso.

Observações sobre o Júri Popular no Brasil

Ainda segundo o jurista Israel Jorio, há observações que tornam o Júri Popular no Brasil diferente do que ocorre em outros países e que muitos acabam confundindo, até por assistir a filmes e documentários que ocorreram em outros países. Entenda as peculiaridades brasileiras:

a) No Brasil, diferente do que acontece em muitos países, como nos Estados Unidos, por exemplo, os jurados são incomunicáveis
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, ou seja, não deliberam sobre o caso e, muito pelo contrário, são proibidos de conversar a respeito entre si ou com qualquer pessoa;
b) O jurado não tem que fundamentar seu voto, seja para absolver ou para condenar. Essa é apontada, pela maioria dos críticos à instituição do Júri, como o aspecto mais injusto e perigoso, já que os jurados podem condenar ou absolver por motivos estranhos ao processo, como preconceito, medo, piedade, simpatia, influência midiática, entre outros motivos;
c) Os votos são contados apenas até que se chegue ao quarto “sim” ou ao quarto “não”, suficiente para que se forme a maioria, em cada caso. É uma forma de se preservar o sigilo das votações. Em qualquer caso, um eventual 7 a 0 revelaria, naturalmente, os votos de todos os jurados.
d) Os jurados apenas absolvem ou condenam. Quem calcula a pena, no caso de condenação, é o Juiz de Direito que preside o julgamento.

É possível que o réu já saia preso após o julgamento?

De acordo com Jorio, a partir de 2019, quando entrou em vigor o chamado “Pacote Anticrime”, se o juiz impuser uma pena superior a 15 anos de prisão, a regra será a do imediato cumprimento da sentença.

“Mas, além de a própria lei processual trazer algumas exceções para a prisão imediata, há válidos questionamentos sobre a inconstitucionalidade desse novo dispositivo, por nítida afronta ao princípio da presunção de inocência, que, nos termos em que consta na Constituição, vigora até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, ponderou.
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Rebouças também reforça que há discussão jurídica sobre a possibilidade de o réu sair preso. “Apesar disso, atualmente está em vigor a disposição legal que determina que seja recolhido à prisão o condenado no júri a pena igual ou superior a 15 anos, conforme artigo 492, I, "e", do Código de Processo Penal”, concluiu.

Houve, na história do Espírito Santo, julgamentos que se estenderam por dias?

O professor de Direito Penal e advogado criminalista Israel pontuou que há muitos casos de duração do julgamento por vários dias. “Em nosso Estado, um dos mais emblemáticos e recentes é o do julgamento do feminicídio da médica Milena Gottardi, que durou 8 dias”, destacou. Na ocasião, o ex-policial civil Hilário Frasson foi condenado a 30 anos de prisão pelo assassinato da ex-esposa.

De igual modo, Burke finalizou citando, além do caso da médica, o julgamento do coronel da reserva da Polícia Militar Walter Gomes Ferreira, condenado pela morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, ocorrida em em 24 de março de 2003. Neste caso, o julgamento levou sete dias.

Julgamento do ex-pastor Georgeval

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O caso da morte dos meninos Kauã e Joaquim terá júri popular realizado na próxima segunda-feira (3), no Fórum Desembargador Mendes Wanderley, em Linhares, sob a presidência do juiz da 1ª Vara Criminal, Tiago Fávaro Camata.

O julgamento do réu Georgeval Alves Gonçalves irá decidir sobre as acusações de duplo homicídio qualificado, estupros de vulneráveis e tortura. Os crimes teriam acontecido no dia 21 de abril de 2018, por volta das 2h, na casa onde moravam o réu e as vítimas, filho e enteado do denunciado, no centro de Linhares.

Segundo a denúncia do Ministério Público Estadual (MPES), no dia e local mencionados, o denunciado teria estuprado e torturado as vítimas, colocando-as desacordadas na cama localizada no quarto das crianças. “Logo em seguida, empregou agente acelerante (líquido inflamável) no local e ateou fogo, causando as mortes das vítimas por ‘carbonização’”, diz a denúncia.

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