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Dois anos após a chegada da lama de rejeitos, ES ainda sofre as consequências do desastre

Apesar de a turbidez da água do Rio Doce ter diminuído, o rompimento da Barragem continua fazendo vítimas

Redação Folha Vitória
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Após o rompimento da barragem da mineradora Samarco no dia 05 de novembro no município de Mariana, em Minas Gerais, a avalanche de lama com 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos atingiu o Rio Doce, uma dos maiores e mais importantes cursos d’água da região sudeste e deságua no litoral do Espírito Santo. A partir daí, capixabas e o mundo passaram a acompanhar trajetória da lama, sufocando lentamente a vida no rio. Onze dias depois, em 16 de novembro, a lama chegou ao Estado, dando fim a uma angustiante espera e iniciando um futuro de incertezas, sobretudo para quem o Rio Doce fornecia o sustento.

Segundo um estudo do Greenpeace concluído este ano e realizado em pontos ao longo do percurso do Rio Doce desde Minas Gerais até a Foz no Espírito Santo, 88% dos entrevistados afirmaram terem alterado o tipo de cultivo e/ou criação realizada pela família após o rompimento da barragem em Mariana.

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O estudo também apontou que a falta de credibilidade na água recebida pelo abastecimento das cidades faz com que a maioria dos agricultores comprem água mineral para beber e cozinhar, isto gera mais um custo na vida diária destas famílias. Apenas 41% dos entrevistados informaram receber água de algum órgão ou instituição.

Após dois anos, o aspecto cristalino das águas do Doce ainda não traz conforto nem perspectiva de recuperação da região. Segundo o secretário de Meio Ambiente de Linhares, Lucas Scaramussa, a atividade pesqueira e o turismo, tão forte no balneário local, praticamente não existem mais. Regência, onde está localizada a foz do Rio, há mais um ano é sendo abastecida com carro pipa. A Fundação A Renova está fazendo uma Estação de Tratamento de Água (ETA), mas a ideia é captar água de poço profundo e não do rio.

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“Nós não temos certeza sobre o que ainda há nessa água. Nós não queremos correr o risco. Falta clareza e transparência na divulgação dos laudos. Isso afeta a pesca e o turismo. Ninguém quer comprar mais peixes dos pescadores que ainda tentam sobreviver da atividade. A mesma desconfiança afasta os turistas que frequentavam o balneário principalmente por conta do surf”, diz o secretário.

Os efeitos nocivos permanecem comprometendo o abastecimento de água de regiões urbanas e de populações ribeirinhas que faziam uso direto do recurso natural. “Na época do desastre nós conseguimos bloquear a passagem de água dos afluentes por meio de construções de barragens. Isso evitou que a lama atingisse outros rios e contaminasse toda a bacia da região. No entanto, tememos que chuvas mais fortes aumentam demais o nível dos rios, fazendo com que as águas se misturem e a contaminação acabe acontecendo. Nós não vemos mais a lama, mas sabemos que ela está lá. Sempre que chove mais forte, a turbidez aumenta”, afirma Scaramussa.

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A preocupação do secretário é procedente. Um relatório produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontou que a água do mar atingida pela lama teve o enriquecimento de cinco elementos: ferro, alumínio, chumbo, cromo e manganês. A quantidade de metais depositados no fundo do mar tem o dobro de ferro, três vezes mais manganês e quatro vezes mais alumínio. Em entrevista à Revista Universidade N. 7, o professor Renato Rodrigues Neto, do Departamento de Oceanografia, diz que em coleta realizada um ano após o ocorrido, os pesquisadores verificaram que, para os metais, existiu uma diminuição da concentração inicial após o impacto e, depois, um aumento em novembro de 2016, quando as chuvas se intensificaram.

Falta de transparência no cadastrado dos atingidos dificulta a chegada de ajuda

No mesmo dia da chegada da lama no ES, em Minas Gerais, o MPF e o MP Estadual firmam Termo de Compromisso Preliminar com a empresa Samarco Mineração S/A, estabelecendo caução socioambiental de R$ 1 bilhão para garantir custeio de medidas preventivas emergenciais, mitigatórias, reparadoras ou compensatórias mínimas decorrentes do rompimento das barragens de rejeitos em Mariana, região Central de Minas.

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O Termo de Compromisso Socioambiental (TCSA), assinado pela mineradora previa que a Samarco garantisse renda mínima a pessoas afetadas pela lama no Rio Doce, além de plano de identificação, manutenção de renda e amparo de todas as pessoas que exerciam atividades laborativas vinculadas ao Rio Doce, seus afluentes e respectivas margens, bem como lagos, lagoas e águas marinhas atingidas pelo impacto do rompimento da barragem da mineradora.

Contudo, os critérios utilizados pela Fundação Renova, entidade criada pelas empresas envolvidas para realizar a recuperação do Doce e fornecer auxílio aos atingidos, dificultam a liberação dos recursos, segundo o defensor público estadual, Rafael Mello Portella Campos. “Desde o rompimento estamos acompanhando a situação e até hoje não conseguimos entender como são estabelecidos os critérios para definir a situação que quem é atingido e quem não é. Um exemplo é que o recorte geográfico imposto pela Renova eliminava todo o litoral da área atingida. Após muita conversa, recomendações, a defensoria conseguiu incluir e inserir comunidades atingidas das comunidade da auxílio e indenização”, destaca.

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De acordo com o defensor público, mesmo as comunidade pesqueiras mais distantes foram afetadas e não conseguem mais vender. “São Mateus, por exemplo, teve impacto direto no manguezal, mas precisamos de realizar um forte trabalho de conscientização para conscientizar a comunidade que era preciso acionar os poderes públicos. Antes, apenas treze pessoas haviam sido cadastradas pela Renova para receber o auxílio emergencial. Depois do trabalho da defensoria, conseguimos cadastrar 607 pessoas.

Ainda segundo Rafael M. P. de Campos, outro embate jurídico que tem atrasado a liberação da ajuda para os atingidos era relativa a indenização. “A proposta da Fundação Renova era que, ao receber a indenização, o atingido tivesse descontado do valor aquilo já havia sido recebido com auxílio emergencial. Isso é uma conduta abusiva. Após um ação civil pública, Comitê Interfederativo (CIF) acatou a Nota Técnica da Defensoria Pública e cristalizou a posição de que que auxílio financeiro emergencial serve para impedir vulnerabilidade e não pode ser compensado na indenização”, destaca.

Futuro incerto

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A pesquisadora Cristiana Losekkan coordena o Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (Organon) e uma das atuações desse núcleo é a pesquisa sobre os impactos dos grandes empreendimentos. Quando ocorreu o rompimento da barragem, o grupo passou a acompanhar as comunidades afetadas, desde Baixo Guandú até São Mateus.

“Os grupos que se organizavam em torno do tema já alertavam para esse perigo. De fato, a gente já imaginava que uma série de impactos iria aumentar decorrente do aumento das atividade de mineração no Brasil. Mas ninguém esperava um desastre dessa magnitude. E a medida que a lama foi subindo, os efeitos foram se alastrando.

Para a pesquisadora, desde o início houve uma disputa sobre o que é considerado atingido ou não. “Podemos perceber que progressivamente o reconhecimento foi sendo retirado. Um exemplo, são pescadores que não possuem comprovação formal da atividade. Num primeiro momento, eles também foram considerados atingidos, mas depois foram aos poucos retirados”, disse.

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O núcleo coordenado pela Critiana Losekkan atua no processo de mobilização, reivindicação e acesso à justiça por parte dos atingidos e a falta de transparência nos processos da Fundação Renova para a liberação do auxílio também é criticada pela pesquisadora. “É uma inconsistência ter pessoas com vidas similares e uma é ser reconhecida e outra não. Nós se tem acesso ao cadastro e não entendemos direito quais são os critérios. Falta de transparência neste trabalho”, criticou.

A situação é preocupante mesmo para quem recebe e está vivendo do auxílio emergencial. “Percebemos o aumento nos níveis de alcoolismo e sofrimento muito elevado nessas regiões. O número de pessoas em vulnerabilidade social também cresceu, assim como o tráfico de drogas. São pessoas que de uma hora pra outra tiveram suas vidas modificadas e um novo sistema lhes foi imposto. Além disso, as pessoas que recebem auxílio ainda sofrem preconceito porque são identificadas como aproveitadoras”, alertou.

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Para Cristiana Losekkan é difícil fazer uma previsão otimista sobre o futuro das comunidades afetadas pelo desastre de Mariana. “A questão do futuro é questão central. O que vai acontecer, quando a água vai ficar boa e confiável, quando vamos voltar a consumir o pescado, observamos que tudo é uma perspectiva porque os programas estão bem atrasados. Ainda existe uma controvérsia a respeito da retirada da lama. Se não tirarem a chance é muito pequena. O futuro infelizmente é bastante incerto”, lamenta.


Fundação Renova

Sobre o cadastros dos atingidos, a Fundação Renova respondeu que ele foi iniciado em caráter emergencial logo após o rompimento da barragem, com formulário simplificado cedido pela Defesa Civil e Corpo de Bombeiros. Um novo cadastro integrado foi construído pela Renova, com a participação de órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, e é acompanhado pelo CIF. Até setembro deste ano, mais de 23 mil cadastros foram realizados. A meta é chegar a 25 mil cadastros até dezembro. O preenchimento do cadastro é voluntário e o impactado pode ser acompanhado de advogado ou qualquer assessoria jurídica.

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A Renova informou que, atualmente cerca de 8,3 mil pessoas recebem os cartões auxílio, 3,7 no Espírito Santo. Esses cartões foram entregues considerando um cadastro emergencial logo após o rompimento da barragem. Em outubro de 2016, a Fundação iniciou um novo cadastro integrado, com informações sociais e econômicas detalhadas. A partir desses dados, estão sendo definidas indenizações, ações de reparação e integração das pessoas aos programas previstos pela Fundação.

A Renova respondeu também que em relação à indenização por água, no Espírito Santo, a Renova já atendeu mais de 83 mil pessoas no município de Colatina, com cerca de R$ 50 milhões pagos. Já a indenização por danos gerais é destinada às pessoas ou micro e pequenas empresas que sofreram danos ou perdas em suas atividades econômicas. Nesse caso, os valores pagos são avaliados caso a caso, tendo como base as informações do cadastro integrado. No caso dos pescadores, a Fundação Renova disse que elaborou por meio de construção conjunta uma proposta de indenização coletiva. A proposta teve como base estudos que indicaram a renda média para cada categoria de pescador.

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A Renova destacou que, até o momento, cerca de R$ 500 milhões já foram gastos com auxílios e indenizações em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Em relação aos danos, a Renova respondeu que as ações de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), já receberam aportes de R$ 2,5 bilhões, de um total de R$ 11,1 bilhões previstos até 2030. Sob a responsabilidade da Fundação Renova, organização autônoma sem fins lucrativos estabelecida para efetivar a reparação, as ações distribuem-se em 42 programas e projetos, priorizando o reassentamento das pessoas atingidas, o pagamento de indenizações, a manutenção da qualidade da água na bacia do Rio Doce e a retomada da atividade econômica dos municípios afetados.

Sobre a recuperação ambiental do Rio Doce, a Renova disse que está executando ações de combate a erosão, recuperação de nascentes, restauração florestal, monitoramento da biodiversidade, melhorias no sistema de abastecimento.

Números da Tragédia

Mortos e desaparecidos: 19 pessoas.

Desabrigados: Mais de 1.200 pessoas

1.469 hectares de terras destruídas,

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Prejuízo a pescadores, ribeirinhos, agricultores, assentados da reforma agrária e populações tradicionais, índios Krenak, [Guarani e Tupinikim], na zona rural, e aos moradores das cidades ao longo dos rios atingidos.

26 pessoas foram denunciadas pela tragédia em Mariana. 21 são acusados por homicídio doloso e outros três tipos previstos no Código Penal, além dos mesmos crimes ambientais atribuídos às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton; já VOGBR e engenheiro da empresa são acusados de emissão de laudo ambiental enganoso.

Fotos: Leonardo Merçon/ Projeto Lágrimas do Rio Doce

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