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EM VITÓRIA

Shanti: filho de fotógrafos morre após o parto e "vira lei" sobre atendimento em hospitais

O filho de Milla Roas Rodrigues e Bruno Santos Pereira morreu três dias após o nascimento. Casal não pôde segurar o bebê no colo para se despedir

Guilherme Lage

Redação Folha Vitória
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Foto: Casal Roas
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Uma nova lei municipal garante que mulheres que perderam seus bebês logo depois de nascidos, recebam atendimento em acomodações separadas da maternidade em Vitória.

A lei vale para unidades de saúde particulares e públicas da Capital e garante também que as mães e familiares dos bebês tenham direito a tempo de despedida digna junto às crianças.

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Batizada de "Lei Shanti", a pauta foi aprovada em 17 de setembro, após diversas reuniões entre a comissão das mulheres da Câmara de Vitória e outras mulheres, que passaram pelo difícil momento de perder seus filhos, antes ou pouco depois do nascimento. 

Além disso, a lei também garante que a mãe também terá direito a um acompanhante escolhido por ela para ficar a seu lado durante todo o período de internação. 

Quem é o Shanti, que dá nome à lei? 

Este é o nome de um pequeno serzinho que viveu durante apenas três dias, mas foi responsável por causar uma verdadeira revolução na vida dos pais e de outras centenas de mulheres na capital. 

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Shanti é filho do casal de fotógrafos Milla Roas Rodrigues e Bruno Santos Pereira, conhecidos como "Casal Roas", nas redes sociais. A perda de Shanti fez com que o casal dedicasse seu tempo em luta para garantir que a passagem de um bebê seja tão leve quanto possível para outras famílias. 

"Somos pais do Shanti. Nosso filho nasceu em maio e viveu apenas três dias. No meio deste trauma, ficamos até meio aéreos. Minha ficha começou a cair uma semana depois, quando comecei a pensar que coisas que vivi no hospital, que me causaram mais dor e sofrimento, poderiam ser evitadas", disse Milla, mãe de Shanti. 

Dentre as experiências que mais causaram sofrimento à ela, estava o fato de não ter podido sequer segurar o filho nos braços. Por nascer com uma cardiopatia grave, o bebê precisou ser levado imediatamente à Unidade de terapia intensiva neonatal (Utin). 

Shanti também tinha uma condição rara, a Síndrome de Edwards, que causa alterações físicas e mentais a fetos e bebês recém-nascidos, o que agravou o quadro do pequeno. 

Por estar em um quarto com outras mães, Milla acabou tendo seu processo de luto amplificado, por ver outras famílias celebrando a chegada de seus bebês, enquanto não podia sequer ver o filho recém-nascido. 

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"As coisas me causavam muita dor durante aquele período, principalmente o fato de que meu filho nasceu em estado grave e eu não podia segurá-lo. Eu estava em desespero, porque a todo momento ouvia o choro de outras crianças. Estava em um quarto privativo, mas cercada de bebês. Não só ali, mas nos quartos ao lado, famílias por todos os lados e eu ouvindo as conversas delas e eu ali sozinha, sabendo que meu filho estava em estado grave. Isso me deu um desespero indescritível, parecia que estava sendo torturada", contou. 

"É preciso olhar para as pessoas", diz fotógrafa 

Foto: Casal Roas
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Ao procurar a Comissão da Mulher, o casal foi preparado para dividir suas experiências. Principalmente Milla, que estava pronta para contar o que mais lhe causou dor durante sua estadia no hospital. 

Para ela, levar as mães que perderam seus filhos para outras acomodações é uma forma de poupar essas mulheres de traumas, de dores psicológicas que podem acometê-las durante a estadia na maternidade ao lado de outras pessoas, que já estão ao lado de seus filhos. 

"Mantê-las no quarto com as outras mães é realmente muito cruel. Há mães que sentem como se fosse uma tortura psicológica, e é um incômodo para a mãe que está com seu filho recém-nascido e também para a que está com o bebê na Utin. Porque a mãe que está com seu filho nos braços, que deveria estar vivendo um momento feliz, está agora também vivendo um momento de angústia", disse. 

Para as discussões na Comissão da Mulher, foram convidadas outras mães, que passaram pelas mesmas situações, além de advogados que lidam com este tipo de demanda. 

As regras para visitação dos bebês na Utin também foram pauta das reuniões e contempladas pela Lei. Segundo Milla, não poder ver o filho ou sequer tocá-lo é uma situação torturante para as mães e pais das crianças internadas. 

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Isso inclui não somente as visitas, mas o tempo para uma despedida digna entre os familiares e um bebê que não resistiu às complicações. 

"É preciso olhar para a dor das pessoas, porque tudo que não temos de lembranças com os filhos, temos de falta para o resto da vida. O hospital não deixa nem nos despedirmos. Não tenho uma foto do Shanti com uma roupinha.  Não podemos entrar com celular na Utin, então há mães que não têm uma foto sequer do filho. Não há outra palavra, é realmente uma tortura". 

Casos já em vigor

Após a aprovação da lei, Milla e Bruno já conseguiram inclusive uma grande conquista: conseguir colocar a Lei Shanti em funcionamento para uma amiga, que não precisou passar pelas mesmas dores que o casal enfrentou. 

Esta mulher, que teve o filho levado para a Utin, pôde passar o período em um quarto privativo na ala de cirurgias plásticas do hospital em que estava internada. 

"As mães que passam por isso precisam de um lugar mais silencioso. Pudemos aconselhá-la e ela pôde ficar na ala de cirurgia plástica. Estava em um quarto silencioso, não se sentia torturada, desesperada", afirmou Milla. 

Ainda não há um planejamento concreto de como os hospitais deverão agir diante destes casos nos municípios daqui para a frente: se novas salas serão instaladas ou a transferência das mulheres para alas de outras especialidades. 

Apesar disso, Milla e Bruno garantem que a luta segue para que a Lei Shanti se torne estadual e até mesmo nacional. 

Cumprimento de um propósito 

Foto: Casal Roas

Apesar da curta estadia na Terra, os pais de Shanti acreditam que sua passagem pelo mundo não foi em vão. Mais do que isso, lutaram e lutam para que a existência do filho seja cheia de propósito e significado. 

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Afinal de contas, como a própria Milla explica, o nome "Shanti" significa " paz" e é este sentimento que o casal acredita que a lei que leva o nome do filho possa trazer às famílias que enfrentam o luto. 

"Quando escolhemos o nome do nosso filho, pensamos que ele traria paz para o mundo, Shanti significa paz. Não sabíamos nem o sexo e já havíamos decidido o nome. Quando descobrimos que ele tinha uma cardiopatia e depois que não sobreviveu, foi sem dúvida a maior dor que já sentimos no mundo. Mas ele foi também nosso maior amor. Quando pensamos em levar essa dor para o debate e ver que se tornou uma lei, sabemos que ela vai trazer conforto, paz para outra família. É como se meu filho fosse do mundo. A existência dele não foi em vão, teve de fato um grande propósito".
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