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ENTREVISTA

Flávia da Veiga: "Felicidade não se terceiriza, se assume"

Empresária capixaba que passou por dois grandes traumas pessoais fundou uma startup dedicada `à felicidade corporativa; saiba detalhes sobre este conceito

Erika Santos

Redação Folha Vitória
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Foto: Acervo pessoal
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O que é felicidade? É possível encontrá-la após vivenciar duas experiências pessoais traumáticas? E vivê-la no ambiente profissional? Essas dúvidas pairaram por anos na mente da capixaba Flávia da Veiga, que perseguiu o conhecimento e buscou responder essas questões. 

Como resultado, a publicitária hoje administra uma startup especializada em felicidade corporativa. E para falar sobre um tema ainda delicado nas corporações, Flávia trouxe de sua vida familiar a bagagem necessária para se reinventar e superar dois grandes traumas.

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Empresária e especialista em Ciência da Felicidade, Flávia passou por duas situações que puseram à prova sua capacidade de superação. Em 2016, ela foi uma das moradoras que sofreu as consequências causadas pelo desabamento da área de lazer de um condomínio na Enseada do Suá, em Vitória.

Naquela ocasião, 3 mil metros quadrados se tornaram escombros, atingindo 300 carros e três andares. Flávia ficou 42 dias em um hotel e depois morou por 10 meses na casa de uma amiga. 

Após o episódio, desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático e, em seguida, depressão.

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Durante sua recuperação, ela mergulhou nos estudos de Psicologia Positiva e Neurociência, passando por instituições renomadas como Harvard, Yale, Berkeley e PUC-RS, no Brasil.

Foi o que ela classificou de autodescoberta, em que percebeu que a felicidade é uma habilidade que pode ser desenvolvida. 

Já em 2019, um outro acontecimento pôs à prova a resiliência de Flávia: o filho da empresária, Caio, na época com 24 anos, foi baleado por um policial militar após uma confusão no trânsito, na Ponta da Fruta, em Vila Velha, e ficou paraplégico. 

"Meu filho foi baleado por um policial militar à paisana, que estava afastado por problemas psicológicos. Ele alegou, na época, que meu filho deu uma fechada nele no trânsito. Esse PM perseguiu meu filho e atirou à queima-roupa. A bala atingiu a coluna e perfurou a medula do meu filho. Depois de todo o processo finalizado, hoje, esse policial está preso", contou Flávia.

Segundo ela, esse momento de dor profunda a ajudou a fortalecer sua visão sobre fecilidade.

Flávia decidiu usar seus conhecimentos num trabalho voltado para a felicidade no ambiente de trabalho. Foi neste contexto que surgiu a BeHappier, startup dedicada a esse ramo, que conta com uma plataforma gamificada visando bem-estar e felicidade dos colaboradores no ambiente profissional. 

Flávia é CEO da BeHappier, embaixadora do Movimento Capitalismo Consciente no Espírito Santo e palestrante em eventos como TEDx. Ela também é professora de MBA. Seu trabalho foi reconhecido com prêmios como a Comenda Maria Ortiz e o Action Responsible no Cannes Lions Creativity Festival.

Confira a entrevista com Flávia da Veiga

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Folha Vitória – Você passou por momentos extremamente desafiadores na sua vida, como o acidente no condomínio e o incidente com seu filho. De que forma essas experiências moldaram sua visão sobre felicidade e resiliência?

Flávia da Veiga – Eu passei por dois momentos muito desafiadores. O primeiro foi o desabamento da área comum do condomínio. Esse primeiro desafio me levou à depressão, a um estresse pós-trauma, a uma sensação de quase-morte e que ocasionou uma depressão. 

O que aconteceu ali? Naquele momento, ao mesmo tempo que eu entrei em depressão, procurei um profissional, comecei um tratamento. 

Em paralelo a isso, eu comecei a pesquisar sobre como eu poderia sair da depressão, como que eu poderia ser mais feliz. Esse primeiro incidente me levou a buscar uma solução para o que eu estava sentindo. 

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Não me contentei em ficar na depressão, eu busquei uma saída para ela. Foi um evento que foi trágico, foi o que me levou, iniciou o meu processo de construção, primeiro de conhecimento, e depois de construção da minha felicidade.

Por quê? A partir desse conhecimento que eu adquiri, que foi dentro do universo da Psicologia Positiva da Neurociência, eu desenvolvi um protocolo, um método para que eu pudesse sair da depressão, para que eu pudesse praticar no meu dia a dia, que me ajudasse. 

E foi esse protocolo, esse método que eu levei por toda a minha vida, levo, trago até hoje. 

Foi através desse protocolo que quando surgiu a segunda situação trágica, que foi quando meu filho foi baleado e ficou paraplégico, ali, foi quando eu coloquei o meu protocolo, ou seja, tudo que eu tinha aprendido em prática, porque falar de felicidade quando tudo vai bem é muito fácil. O problema é quando realmente você passa por uma situação de extrema dor, que foi a situação que eu vivi. 

Naquela ocasião, eu pude comprovar que todo o estudo que eu vinha praticando, estudando, vivenciando, elevou nesse momento muito mais forte, muito mais resiliente. 

E por que isso aconteceu? Primeiro porque eu tinha um conhecimento, ou seja, eu tinha as ferramentas para lidar melhor com a situação. 

Segundo, uma dessas ferramentas é a aceitação radical, é entender que você não consegue transformar aquilo que você não aceita, então eu não podia fingir, não podia fingir, eu tive que aceitar. 

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E depois, a quarta ferramenta é entender que nós não somos o que nos aconteceu, nós somos o que nós escolhemos nos tornar a partir dos acontecimentos. 

É quando eu decido transformar a dor em propósito. Usar a minha dor para que eu pudesse ajudar a minimizar a dor de outras pessoas.

Durante a sua jornada de autodescoberta, o que mais te surpreendeu nos estudos sobre Psicologia Positiva e Neurociência? Como essas descobertas impactaram sua vida pessoal?

Foram muitas coisas, mas a mais surpreendente é que, no geral, nós não sabemos o que é felicidade ou como ser mais feliz. 

Nós temos uma perspectiva muito distorcida do que é felicidade, confundimos felicidade com alegria, com conforto, confundimos felicidade com oba-oba, com euforia, como se eu tivesse que estar sorrindo o tempo inteiro. 

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E felicidade, dentro da perspectiva científica, e principalmente do que eu vivi, felicidade é um estado de ser, é um estado de contentamento com a vida, mesmo uma vida perfeita, é um estilo de vida, quase uma filosofia de vida, uma forma como você enxerga a vida e seus desafios. 

Também trago outra descoberta muito impactante da Psicologia Positiva, que parte da nossa felicidade aleatórica pela nossa genética. 

Uma parte muito pequena pelas circunstâncias, e boa parte da nossa felicidade naturalista com nossas escolhas, hábitos, atividades intencionais que podemos adotar no nosso dia a dia, que aumentam a nossa percepção de felicidade. 

Então, isso nos traz numa posição de protagonistas, de pessoas que são responsáveis, autorresponsabilidade, então não existe vítima. Felicidade não se terceiriza, se assume. 

Descubro também, através da Neurociência, que a felicidade é um estado cerebral. Quando algo acontece comigo, o fato em si, ele é neutro, ele não é bom nem ruim. 

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Mas o meu cérebro interpreta o acontecimento, e eu descubro ao estudar que o nosso cérebro não foi programado para a felicidade. Ele foi programado para sobreviver e perpetuar a espécie.

Foto: Acervo pessoal

Você menciona que a felicidade é uma habilidade que pode ser aprendida. Em sua opinião, quais são os principais obstáculos para as pessoas desenvolverem essa habilidade em meio às adversidades?

Para Richard Davison, que é um grande neurocientista, felicidade é uma habilidade que pode ser aprendida, desenvolvida, mas, como qualquer habilidade, requer dedicação, atenção, prática. 

E aí, uma das principais, já iniciando os principais obstáculos, primeiro: as pessoas querem uma felicidade que venha fácil, uma felicidade que caia do céu, uma felicidade que é um passe de mágica. 

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Elas não querem se esforçar, tomar as atitudes, assumir a responsabilidade pela sua própria felicidade. Então, esse é um dos grandes obstáculos. 

O outro obstáculo é o desconhecimento. As pessoas não sabem que existe uma ciência, que existe uma técnica, que existe método para que você possa construir sua felicidade. 

Fora os mitos, em geral, que as pessoas acham que felicidade é algo que vem de fora. É uma meta ser atingida, algo ser alcançado. Felicidade não vem de fora, felicidade é construída internamente. 

Há outros mitos que felicidade é associada ao ter. A felicidade depende de quanto eu tenho, depende das minhas posses, depende do meu status, depende da minha classe social, minha felicidade não está relacionada a isso. 

Claro que pessoas que têm, vamos dizer, mais estabilidade financeira, mais conforto financeiro, essas pessoas tendem a ser mais felizes, mas dinheiro não garante felicidade, senão todo rico milionário seria feliz e a gente sabe que não é essa a realidade.

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Quais são as “happiness skills” (habilidades socioemocionais) que a BeHappier desenvolve nos colaboradores e como elas podem transformar o ambiente corporativo?

Com relação às happiness skills, são diversas: uma delas é a gratidão, nós temos o autocuidado, os relacionamentos, a resiliência, a bondade, a gentileza como uma happiness skill, o significado, e há o savoring, que é considerado a apreciação da vida.

Essas habilidades, quando desenvolvidas, não só aumentam a nossa percepção de felicidade, mas também a performance no trabalho.

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Empresas que adotam a felicidade como estratégia relatam números impressionantes de aumento na eficiência e retenção de talentos. Como você enxerga o futuro das organizações que investem no bem-estar emocional dos seus colaboradores?

Sem dúvida que a estratégia da felicidade, a metodologia da felicidade, ou seja, pessoas mais felizes no ambiente corporativo entregam muito mais resultados. 

Como é que eu enxergo o futuro das organizações? Eu não vejo qualquer organização que possa vir a prosperar sem que essa organização invista no bem-estar, na felicidade, na saúde mental dos seus colaboradores. 

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Por quê? Porque os resultados, a performance é muito superior. Um colaborador mais feliz, ele está no seu funcionamento ideal para um trabalho mais eficiente, como já dizia o Daniel Goleman.

Um colaborador mais feliz está na sua capacidade cognitiva, intelectual, relacional, em termos de saúde, na sua melhor performance. 

Mas se a gente diz que a felicidade é como se fosse um superpoder, nos torna a nossa melhor versão em todas as áreas da vida. Então, se eu quero uma empresa sustentável, duradoura, produtiva, eficaz, lucrativa, eu preciso investir na felicidade do bem-estar do meu colaborador para que todos ganhem. 

E o que eu amo dessa estratégia de felicidade corporativa é que todos os envolvidos (stakeholders) ganham. 

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Por quê? Um colaborador mais feliz se torna um colaborador melhor. Então, o acionista ganha, os líderes ganham, ele ganha para se tornar mais feliz, mas também ele se torna um pai melhor, um filho melhor, um marido melhor, um cidadão melhor.

O termo “Capitalismo Consciente” tem ganhado força no mercado. Como você vê a relação entre felicidade corporativa e a implementação desse modelo de negócios?

O capitalismo consciente tem quatro vertentes, quatro pilares. Um propósito maior, uma liderança consciente, uma cultura forte e uma visão de benefício para todos os envolvidos. 

Quando eu falo de felicidade corporativa, eu estou atrelando a um propósito maior. Ou seja, ao cuidar das pessoas, eu coloco o cuidado como um propósito superior. 

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Para isso, para que isso aconteça, eu preciso ter uma liderança consciente. Eu não consigo falar de felicidade corporativa sem ter líderes conscientes. 

Também a gente fala de cultura, porque ao adotar felicidade corporativa, eu altero, eu transformo a cultura de uma organização, e eu trago benefício para todos os envolvidos.

Na sua visão, quais são os principais erros que as empresas cometem ao tentar implementar programas de saúde mental e felicidade no ambiente de trabalho?

O principal erro é achar que felicidade corporativa é colocar uma mesa de sinuca, uma geladerinha de cerveja, colocar um videogame, pintar as paredes de colorido e que isso é felicidade. Isso é um erro! Felicidade no trabalho não é oba-oba.

O segundo erro é não envolver a liderança. A liderança precisa estar comprometida. 

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O terceiro erro é não ter um planejamento. Para ter um planejamento, a primeira etapa é você ter um diagnóstico, é entender onde você está pisando, onde você está entrando. 

Segundo, você tem que ter um planejamento muito claro, um planejamento com o passo a passo, um planejamento com as métricas. 

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Quarto erro é você não medir. Tudo tem que ser mensurado. Para você ter um plano de felicidade corporativa que dê certo, você tem que entender quais são os resultados, quais são os indivíduos. 

Outro erro é exigir que um programa de felicidade corporativa aconteça fora do horário de trabalho. Ele tem que acontecer dentro da empresa, dentro do horário de trabalho, para que os colaboradores entendam que isso é prioridade para a empresa. 

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Outro erro é não investir. Requer, sim, esforço, investimento, tanto de energia, de tempo, de atenção. Então, requer um investimento, sim, de todas as partes que estão envolvidas no processo.

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