Milena chegou a se disfarçar usando peruca para procurar advogado, diz amiga de médica
Segunda testemunha de acusação a prestar depoimento nesta segunda-feira, Lívia Maria Araújo Maia contou que a vítima se queixava do comportamento possessivo de Hilário Frasson, acusado de encomendar o crime
A médica nefrologista Lívia Maria Araújo Maia, amiga de Milena Gottardi, foi a segunda testemunha arrolada pelo Ministério Público Estadual (MPES) a prestar depoimento, nesta segunda-feira (23), no julgamento dos seis acusados de envolvimento no assassinato de Milena, ocorrido em setembro de 2017. A oitiva dela teve início por volta das 14h25.
Em sua fala, Lívia afirmou que Milena se queixava do comportamento do então marido dela, o ex-policial civil Hilário Frasson, acusado de ser um dos mandantes do crime. Segundo ela, a amiga dizia que se sentia constantemente vigiada por Hilário, que não concordava com a separação do casal.
A nefrologista disse que Milena, em determinado momento do processo de separação, chegou a se disfarçar e a usar uma peruca para sair de casa e procurar um advogado.
Lívia e o marido eram amigos de Milena e Hilário. Eles faziam parte de um grupo de WhatsApp com outros dois casais, além dos tios da médica assassinada. Além disso, as duas médicas fizeram faculdade juntas.
"Tudo mudou no dia em que ela resolveu se separar. O dia 5 de março, que era o aniversário dela, foi praticamente o dia em que ela assinou sua sentença de morte. Ela dizia que não queria mais ficar casada com o Hilário. Ele entrou em desespero e ligou para a gente. A gente aconselhou o Hilário a esfriar a cabeça, que deixasse Milena ter o tempo dela para pensar", afirmou.
A testemunhas também disse que o celular e o WhatsApp de Milena Gottardi eram frequentemente monitorados pelo acusado. "Ele tinha tudo, inclusive as senhas de banco e também dos e-mails dela".
Lívia afirmou ainda que Milena saiu de casa, de forma rápida, levando as filhas. Segundo a testemunha, Hilário disse, no grupo do WhatsApp, que a vítima havia abandonado o lar e que, se descobrisse que Milena tinha outra pessoa, não iria suportar.
A nefrologista também contou que o ex-policial civil chegou a ir armado para a casa de um amigo do casal, em Vila Velha, para tirar satisfação, querendo entender por que a esposa havia saído de casa.
A testemunha contou que Hilário ficou furioso depois que Milena saiu de casa com as filhas. Segundo ela, o ex-policial civil disse aos amigos que conhecia muita gente e que ela nunca teria a guarda das crianças.
Questões financeiras pesaram na separação do casal
Em seu depoimento, Lívia lembrou que Milena e Hilário trabalhavam muito, mas que o dinheiro não parava nas mãos do ex-policial civil, porque ele era muito gastador e esbanjava, comprando de roupas finas a vinhos caros.
"Ele adorava a marca Hugo Boss. Até a cueca ele mostrava pra provar que era da marca", relatou.
Ainda de acordo com a testemunha, Milena reclamava frequentemente com ela, dizendo que não conseguia fazer uma reserva financeira, porque tinha de arcar com as despesas da casa e Hilário gastava muito.
Lívia disse ainda que a vida do casal, economicamente falando, passou a ter conflitos depois que Hilário passou no concurso público da Polícia Civil do Espírito Santo e deixou de ser assistente de um desembargador. Segundo ela, o réu aceitou receber um salário menor no novo cargo.
Segundo a nefrologista, Milena decidiu se separar do marido quando, além das questões financeiras, se sentia sufocada pela vigilância de Hilário.
A testemunha conta que chegou a sugerir a Milena que ela denunciasse Hilário na Delegacia da Mulher. A vítima, no entanto, teria dito que não faria isso, já que Hilário ainda estava em estágio probatório na Polícia Civil e não tinha alcançado a estabilidade como servidor público.
De acordo com Lívia, Milena disse que, se denunciasse o marido, ele seria expulso da PCES, perderia o emprego e ficaria sem renda. Com isso, a pediatra acreditava que teria de sustentar a família.
Lívia relatou também que, em determinado momento, quando os dois já estavam separados, Hilário reclamou que havia sumido uma quantia de dinheiro no trabalho. Segundo a nefrologista, era um valor de aproximadamente R$ 1 mil. Ela conta que Milena, quando soube do sumiço, deu a quantia ao ex-marido.
E-mail escrito por Milena a Hilário
Durante o depoimento, os promotores do MPES questionaram a testemunha sobre o e-mail que Milena teria escrito para Hilário em abril de 2017, no qual a vítima afirma ter se arrependido de ingressar com uma ação judicial para poder sair de casa com as filhas. O documento foi apresentado à Justiça, na última segunda-feira (16), pela defesa do ex-policial civil.
Lívia lembrou que uma amiga em comum delas afirmou ter recebido um e-mail de Milena, mas com um padrão de texto que não coincidia com o estilo de escrita da médica assassinada. Ela disse que uma outra pessoa, possivelmente Hilário, pode ter escrito esse e-mail.
Ao ser questionada se achava que o e-mail apresentado pela defesa do réu era verdadeiro, Lívia afirmou que leu as matérias divulgadas pela imprensa, sobre o tal e-mail, e disse que não acredita que ele tenha sido escrito por Milena.
A testemunha disse ainda que chegou a ver a carta que Milena havia escrito e registrado em cartório, no dia anterior, alertando que algo poderia acontecer contra ela.
Lívia conta que perguntou à amiga o porquê de ter escrito e registrado a carta, e Milena teria dito que Hilário já tinha dado provas do quanto era possessivo e seguia os passos dela.
Defesa questiona proximidade de testemunha com casal
Durante o depoimento, a defesa de Hilário Frasson questionou a testemunha sobre o cotidiano do casal e o comportamento de Hilário. Os advogados queriam se certificar se Lívia realmente sabia do que acontecia entre Milena e Hilário.
Em determinado momento, perguntaram se Lívia achava que podia chamar Hilário de obcecado e possessivo com a esposa, lembrando que Milena já chegou a fazer um curso de especialização em São Paulo.
"Alguém considerado possessivo deixaria a esposa ir sozinha para São Paulo, ficar o tempo todo por lá?", questionou um dos advogados.
Nesse momento, a promotoria protestou, alegando que a pergunta foi considerada subjetiva.
Os advogados também perguntaram se a testemunha teve conhecimento do que acontecia com o casal por meio da imprensa ou pela própria Milena, afirmando que há um grande número de matérias jornalísticas a respeito do processo.
Em seguida, perguntaram se Lívia e o marido eram amigos de Milena e Hilário a ponto de deixarem os filhos passarem um final de semana sozinhos com eles. Em sua resposta, a testemunha afirmou que ela e o marido nunca fizeram objeção a essa situação.
Julgamento começou com mais de uma hora de atraso
O julgamento, presidido pelo juiz Marcos Pereira Sanches, começou precisamente às 10h15 desta segunda-feira, com uma hora e quinze minutos de atraso. Isso ocorreu porque uma das testemunhas não havia chegado.
O magistrado informou que um dos advogados de defesa pediu o desmembramento, para que os réus fossem julgados em separado. No entanto, o pedido foi negado. Assim, todos eles serão julgados juntos.
A primeira testemunha a prestar depoimento nesta segunda-feira foi a também médica e amiga de Milena Gottardi, Aline Coelho Moreira Fraga. Ela começou a ser ouvida por volta das 11h40 e encerrou sua fala pouco depois das 13 horas.
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Quem são as testemunhas do processo:
Ministério Público
1 - Aline Coelho Moreira Fraga
2 - Maria Isabel Lima dos Santos
3 - Lívia Maria Araújo Maia
4 - Investigador PCES Igor de Oliveira Carneiro
5 - Delegado PCES Janderson Birschner Lube
6 - Marcelle Gomes da Cruz
7 - Fernanda Coutinho Lopes Raposo
8 - Ana Paula Protzzner Morbeck
9 - Douglas Gottardi Tonini
Assistente de acusação
1 - Shintia Gottardi de Almeida
Réus do processo
- Hilário Frasson - ex-marido da médica e ex-policial civil
- Esperidião Frasson - ex-sogro da vítima
- Valcir da Silva Dias e Hermenegildo Palauro Filho - acusados de serem intermediadores do assassinato
- Dionathas Alves Vieira - acusado de ser o executor do crime
- Bruno Rodrigues Broetto - apontado como o responsável por conseguir a moto utilizada no dia do assassinato
Defesa réu Hilário
1 - João Guilherme Souza Pelição
2 - Rodrigo Alves Alver
3 - Tarcísio Fávaro
4 - Moisés da Silva Soares
5 - Arnaldo Santos Souza
Defesa réu Esperidião
1 - Valdemir Nascimento Lima
2 - Paulo Renato Magvesky
3 - Luciano Nunes Bermudes
4 - Maria Arlinda Bermudes Palauro
5 - José Ferreira Campanholi
Defesa réu Dionathas
1 - Juliana Pábula Brozeguini Batista
2 - Paola Laghasse
3 - Diana Aparecida Pereira
4 - Myller Maradona Pereira Amorim
5 - Julianny Pereira Soares
Defesa réu Bruno
1 - Douglas Miranda Santana
2 - Pedro Carlos Nieiro
3 - Maria das Graças Coelho Nieiro
4 - Claezi Demonei dos Santos
*Os réus Hermenegildo e Valcir não arrolam testemunhas
Quatro mulheres e três homens são escolhidos como jurados
Quatro mulheres e três homens foram escolhidos como jurados para definir o destino dos seis réus apontados pelo Ministério Público como responsáveis pelo assassinato da médica Milena Giottardi.
A definição do júri não foi nada tranquila no momento do sorteio. Dez mulheres foram recusadas pelos advogados de defesa. Houve ainda três recusas de homens. Os promotores do Ministério Público Estadual aceitaram a justificativa de um homem que não quis participar.
Houve ainda duas dispensas, pois uma mulher tinha um familiar envolvido no processo e outra foi dispensada por problemas médicos.
Mãe de Milena se retirou antes da entrada dos réus
A mãe de Milena, Zilca Gottardi, se retirou do salão do júri antes que os seis réus entrassem.
Os réus Bruno Broetto e Dionathas Alves, que são cunhados, estão de um lado do tribunal, separados dos quatro restantes.
Dionathas, apontado como o executor da médica, está de cabeça baixa. Tanto ele quanto Broetto, apontado como o que forneceu a motocicleta roubada para que Dionathas cometesse o crime, choraram em alguns momentos.
No final da manhã, a partir das 11h15, foi feita a leitura do processo.
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Julgamento pode durar uma semana
O julgamento dos réus, de acordo com o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pode, inicialmente, ter a duração de uma semana.
As etapas dos trabalhos podem durar mais tempo devido ao número de réus e de testemunhas. Serão 29 ao todo, sendo 19 convocadas pelas defesas dos acusados e 10, pela acusação.
Estarão no banco dos réus Hilário Frasson, Esperidião Frasson, Dionathas Alves, Hermenegildo Palauro Filho, Valcir da Silva Dias e Bruno Broetto.
As investigações concluíram que Hilário e Esperidião encomendaram o assassinato de Milena Gottardi por não aceitarem o fim do casamento entre ela e o então policial civil. Para isso, eles teriam contratado Valcir e Hermenegildo para dar suporte ao crime e encontrar um executor.
Ainda segundo a polícia, Dionathas Alves foi o escolhido para executar o "serviço" — como os envolvidos se referiam ao assassinato da médica. Para isso, ele receberia uma recompensa de R$ 2 mil.
Dionathas teria usado uma moto, roubada pelo cunhado Bruno, para seguir de Fundão até Vitória e matar Milena.
O que dizem as defesas dos réus
Sobre o julgamento, o advogado Leonardo Gagno, responsável pela defesa de Hilário Frasson, destacou que está confiante de que a justiça será feita.
"Durante o júri, a defesa terá a oportunidade de apresentar provas importantes, aclarar os fatos e demonstrar que a imagem do Hilário foi distorcida pela acusação", afirmou.
Já o advogado Alexandre Lyra Trancoso, responsável pela defesa de Valcir da Silva Dias, prefere não dar declarações sobre o júri.
As defesas de Esperidião Carlos Frasson, Hermenegildo Palauro Filho, Dionathas Alves Vieira e Bruno Rodrigues Broetto foram procuradas pela reportagem, mas até o momento, não responderam aos questionamentos.
Para o advogado Leonardo da Rocha de Souza, responsável pela defesa dos réus Dionathas e Bruno, a expectativa é que o julgamento ocorra de forma justa e livre. Ele ressalta que Bruno encontra-se bastante angustiado e com um forte sentimento de indignação em virtude do tempo que permaneceu preso. O acusado, segundo Souza, tem consciência de que é inocente.
Leonardo também afirmou que a tese da defesa de Bruno é baseada na absolvição dele, tendo em vista que, segundo o advogado, não há provas suficientes que comprovem a autoria e a participação de Bruno no crime em questão.
Sobre a situação de Dionathas, o advogado disse ainda que, dependendo do teor do depoimento do réu, a defesa vai buscar um julgamento e uma condenação que não seja maior ou menor do que os valores previstos na legislação brasileira.