"Um de nós não volta de lá", disse Camata à esposa um dia antes de ser assassinado
Durante o depoimento, a viúva do ex-governador afirmou que viu o esposo definhar na vida política. Desde a morte dele, em 2018, os filhos estão fazendo terapia
Durante o julgamento de Marcos Venício, acusado de assassinar o ex-governador do Espírito Santo, Gerson Camara, em 2018, a viúva do político, Rita Camata, prestou depoimento no Fórum Criminal de Vitória, no centro da capital.
A ex-deputada federal falou sobre a relação conflituosa de Camata com Venício e como isso impactou na vida política e pessoal do esposo.
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Durante o depoimento, Rita Camata deu detalhes sobre o estado do ex-governador Gerson Camata antes da morte brutal. Segundo ela, um dia antes de ser assassinado, ele estava com semblante triste.
A família se preparava para uma viagem à Búzios, no Rio de Janeiro, onde passaria o Réveillon. Porém, como lembrou Rita, o marido não estava se sentindo confortável em viajar e se mostrava desmotivado no período. O quadro psicológico do ex-governador estava bastante abalado em virtude das ameaças e um dia antes da morte, ele disse:
"Estamos indo para a boca do furacão. Um de nós não volta de lá!"
Bastante emocionada, Rita titubeou em alguns momentos, chorou, mas se recompôs e seguiu respondendo às perguntas.
"Ele estava triste, estava diferente. Eu comentei com meus filhos que ele não estava querendo ir viajar. E, aí, aconteceu", disse.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_03
Relação conflituosa entre Gerson e Marcos Venício
No depoimento, a viúva lembrou que o réu frequentava sua casa por ser assessor do marido há mais de 20 anos. Rita contou que a relação entre os dois mudou depois que Venício foi retirado do cargo que ocupava na Banestes Seguros, devido à mudança de governo estadual.
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Ela disse que não houve recondução de Venício ao cargo, uma vez que o marido não tinha influência no novo governo. Por causa disso, o réu teria passado a fazer ameaças, primeiramente dizendo para amigos da família que faria algo contra Camata.
Durante o depoimento, Rita ainda disse que o marido nunca deu confiança a essas ameaças por ser um homem franco, alegre e que tinha um bom relacionamento com todos. "Falava que era bobagem," lembrou.
A situação, segundo Rita, entrou numa rota de colisão quando Venício afirmou que teria provas de que o ex-governador teria cometido atos de supostas irregularidades durante o período de sua gestão como chefe do Palácio Anchieta.
Camata moveu ação contra ex-assessor
Diante das constantes ameaças e das supostas denúncias de indícios de corrupção em sua gestão, segundo relatou Rita, Gerson Camata teria movido uma ação contra o ex-assessor Marcos Venício por calúnia e difamação.
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A ex-deputada, a partir deste momento, recebeu constantes relatos vindos de amigos da família e de conhecidos que eram frequentadores de um café em um shopping na Praia do Canto afirmando presenciar e ouvir diversas ameaças de Venício contra o ex-governador.
Rita disse que as denúncias de Venício sobre supostas ações corruptas de Camata não foram provadas, mas repercutiram na imprensa nacional e abalaram fortemente a vida do marido.
Família Camata deixa o salão do júri para não assistir ao vídeo do assassinato
Durante o depoimento de Rita, o Ministério Público pausou o vídeo do assassinato do ex-governador. As imagens das câmeras das lojas na rua da Praia do Canto exibem os últimos momentos de vida de Gerson Camata. Elas mostram ele caminhando e conversando com amigos na calçada. Até que surge Venício. Em seguida, aparece a vítima ensaguentada e pedindo socorro.
Os promotores, para reforçar a tese de crime premeditado, exibiam este vídeo a todas as testemunhas. Com a viúva da vítima, preferiram pausar.
Durante a exibição do vídeo, o reú Marcos Venício abaixou a cabeça, pela primeira vez. Nas outras ocasiões, ele assistiu a tudo sem demonstrar reação. Fez esse gesto de não acompanhar as imagens apenas na presença de Rita Camata.
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Parte do depoimento da viúva foi acompanhado pelos filhos Bruno e Enza, mas no momento das imagens eles deixaram o salão do juri. O sobrinho Edmar Camata e o irmão de Rita também saíram.
Rita Camata falou sobre a convivência de Gerson
A pedido dos promotores, Rita relembrou a carreira política e a convivência com Gerson Camata, com quem foi casada durante 38 anos. A ex-deputada disse que o marido era um homem de diálogo. Tinha posturas firmes, delegava funções, mas sabia ouvir as pessoas.
Ela também firmou que nunca viu o marido ser ríspido ou perder a calma com quem estava com ele no trabalho e na política. Rita diz que a família está destroçada desde 2018 e que eles perderam o rumo depois do assassinato.
Falou ainda que os filhos, Enza Camata e Bruno David Paste Camata, fazem terapia desde então.
"Quanto a mim, tiro forças não sei de onde para manter todos unidos, para manter a família de pé. Gerson morreu aos poucos de vergonha e de revolta", afirmou.
Durante o período conturbado em que o marido sofreu com as ameaças de Venício, Rita lembra de ver o marido sendo prejudicado pouco a pouco pela repercussão dos fatos apresentados pelo ex-assessor, que segundo ela, não foram comprovados.
"Eu vi Gerson definhando enquanto ser político. De vez em quando, ele melhorava mas vinha aquela revolta, aquela vergonha. Ele passou a não querer mais saber de política. Teve uma queda grande na disposição de fazer as coisas", lembrou.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_07
Rita recordou a trajetória do marido como vereador, deputado estadual, deputado federal, governador e senador por três mandatos. "Não perdeu nenhuma eleição que disputou", lembrou.
A viúva ressaltou que Gerson foi o primeiro governador eleito no Espírito Santo pós ditadura militar (1964-1985).
"Ele abraçou e ouviu todos os partidos. Era um homem de diálogo. Foi um período pós ditadura onde as mobilizações sociais aconteciam e Gerson ouvia a todos. Nunca foi concentrador de poder", relembrou.
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Estatuto do Desarmamento
Rita disse que nunca soube de qualquer agressão ou xingamento por parte do marido em relação a Venício. Emocionada, ela lembrou que o marido foi autor do Estatuto do Desarmamento.
"Foi autor e vítima. Vítima porque este estatuto, que ele criou, não foi posto em prática", frisou.
Ela disse que a família sente a perda de Camata. O filho Bruno ficou recluso, tem dificuldade de demonstrar sentimentos. "Mas é um ótimo menino. Foi para São Paulo, passou no vestibular para Economia, seguindo os passos do pai".
Rita encerrou seu depoimento agradecendo o carinho das pessoas. "Fica um vazio grande sem o Gerson, mas essas mensagens, essas manifestações e esse carinho são o alento".
Para a viúva, o julgamento ultrapassa os muros da família Camata. Rita acredita no poder da Justiça.
"A decisão de hoje não repercute só aqui. Pela forma inaceitável como tudo aconteceu, feito por alguém que teve tudo a partir da vítima. Mas eu acredito na Justiça".
* Com informações do repórter Marcelo Pereira.