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Geral

Onde cigarro eletrônico é liberado e onde venda é proibida?

Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto, a exemplo de México, Índia e Argentina

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
audima
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Foto: Pixabay
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu nesta quarta-feira, 6, manter a proibição de venda de cigarros eletrônicos no Brasil e ampliar a fiscalização para coibir o mercado irregular dos dispositivos. Participaram da votação quatro diretores da Anvisa - a decisão foi unânime. A venda de cigarros eletrônicos é proibida no País desde 2009.

O Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto, a exemplo de México, Índia e Argentina. Outras 79 - como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá - liberaram com maior ou menor grau de restrição, conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021.

Fabricantes dos dispositivos argumentam que eles oferecem risco reduzido à saúde, em comparação ao cigarro tradicional, e por isso deveriam ser liberados como alternativa para uso adulto. Também dizem que o veto não impede a venda irregular. 

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Pesquisas científicas de universidades de ponta e entidades médicas, porém, apontam presença de substâncias desconhecidas nos dispositivos e potencial de incentivar o tabagismo entre adolescentes e jovens que nunca fumaram - o que justifica manter a proibição.

Cigarros eletrônicos, ou vapes, funcionam por meio de uma bateria que aquece um líquido interno, composto por água, aromatizante, nicotina, propilenoglicol e glicerina. Têm formas variadas, e modelos mais modernos se parecem com pen-drives. Alguns são fechados: não é possível manipular o líquido interno. Outros podem ser recarregados com líquidos de várias substâncias e sabores, como uva e menta.

Os cigarros eletrônicos surgiram nos anos 2000 e tiveram crescimento impulsionado, inicialmente, por empresas novas. Depois, grandes multinacionais de tabaco como British American Tobacco (BAT), Philip Morris e Altria compraram participações em empresas de cigarros eletrônicos ou criaram as próprias marcas. 

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Hoje, são cerca de 30 mil marcas de cigarros e líquidos à venda na Europa. Em 2014, as vendas globais eram de US$ 2,76 bilhões (R$ 14,8 bilhões). Após cinco anos, saltaram para US$ 15 bilhões (R$ 80,7 bilhões).

Anvisa

A regra brasileira que proíbe os cigarros é de 2009. Na época, a Anvisa apontou ausência de dados científicos que comprovassem a segurança dos dispositivos e seguiu um princípio de precaução ao proibir. 

Já em abril deste ano, apresentou relatório parcial com nova avaliação. Esse estudo sugeriu manter a proibição e aumentar a fiscalização para coibir vendas irregulares. Nesta quarta-feira, a Anvisa manteve a proibição.

O México baniu o produto em maio - já havia proibido a importação e exportação, mas decidiu endurecer as regras, sob justificativa de que vapes atraem adolescentes e podem ter substâncias tóxicas em níveis mais altos do que a fumaça do tabaco em combustão.

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Já os países que liberaram, como o Reino Unido, veem redução de danos na comparação com o cigarro tradicional. Estudo de 2015 divulgado pela agência do serviço de saúde britânica, a PHE, indicou que cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que o tabaco - os dados, usados como argumento pela liberação, foram contestados depois por parte dos cientistas, por suposto conflito de interesses.

Países que liberam vapes fixam diversas regras: cigarros eletrônicos podem ser classificados como produtos de tabaco, farmacêuticos ou de consumo. Portugal e Itália estabelecem limites de nicotina presente no líquido e tamanho do refil para recarga.

Também há indicações de veto da venda a adolescentes ou de uso em áreas fechadas. Na Austrália, cigarros eletrônicos de nicotina são considerados medicamentos e só podem ser obtidos com receita médica. 

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A ideia da norma, de 2021, é conter o uso por jovens - de 2016 a 2019, a taxa de australianos de 18 a 24 anos que relatam usar os dispositivos quase dobrou, de 2,8% para 5,3%, segundo a OMS. Há ainda países, como Finlândia e Hungria, que vetam qualquer sabor que não seja o de tabaco.

Jovens

O uso por adolescentes foi um dos principais efeitos colaterais da popularização de cigarros eletrônicos. Nos EUA, um em cada cinco alunos de ensino médio usava vapes em 2020, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Em 2011, a taxa, conforme a OMS, era de 1,5%. 

Quando surgiram, os cigarros eletrônicos encontravam pouca supervisão federal nos Estados Unidos. Só em 2016, a FDA, órgão de vigilância sanitária americana, passou a regulá-los como "novos produtos de tabaco" e tornou ilegal vender vapes a menores de 18 (em 2019, subiu para 21 anos).

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Tentativas regulatórias de reduzir os efeitos nocivos, principalmente entre os jovens, têm se mostrado pouco eficazes, segundo pesquisadores das Universidades de Stanford e da Califórnia. Em 2020, a FDA priorizou a fiscalização de cigarros eletrônicos em forma de cápsulas e cartuchos com sabor, mas cresceu o consumo de descartáveis.

"Estamos preocupados porque, a menos que a FDA regule todos os tipos de tabaco e, em particular, todos os tipos de cigarros eletrônicos, continuaremos a ter jovens pulando para diferentes dispositivos de cigarro eletrônico", disse ao Estadão a professora de Pediatria de Stanford Bonnie Halpern-Felsher, autora da pesquisa. Segundo ela, políticas para vapes nos EUA não têm conseguido proteger os mais novos.

Representantes da indústria do tabaco, porém, argumentam que a liberação não é para adolescentes. "Esses produtos não são de risco zero, são de risco reduzido. A maior parte contém nicotina e não são para menores de 18 anos", diz Delcio Sandi, diretor de relações externas da BAT Brasil, com produtos à venda em mais de 30 países. "O que queremos é oferecer a adultos fumantes brasileiros essa alternativa."

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Já a Philip Morris, em nota, aponta que seu produto de tabaco aquecido difere de cigarros eletrônicos e "afasta a perspectiva de iniciação de jovens". Afirma ainda que o interesse é "quase exclusivo de adultos fumantes por alternativas menos tóxicas".

Mobilizações

Para Paulo Corrêa, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, países que liberaram os dispositivos têm dificuldade de retroceder nas regras e há judicialização. Ele cita que, em junho, a FDA negou autorização a uma das marcas mais populares nos EUA, a Juul, por falta de evidências sobre efeitos adversos. No dia seguinte, a empresa obteve liminar para manter seus produtos no mercado.

"Alguns países, por falta de evidência científica de que os produtos causavam malefício à saúde (na época), liberaram a venda às vezes até sem regulação", diz Andréa Reis, chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O volume de evidências hoje, afirma, justifica manter o veto. "Estados Unidos e União Europeia estão dando um passo atrás." Em junho, a Comissão Europeia propôs proibir a venda de produtos de tabaco aquecido com sabor, em tentativa de tornar o fumo "o menos atraente possível" - o órgão estima alta de 10% nas vendas em seis países. "Não tivemos tempo de estudar todos os danos produzidos pelo aerossol", diz Andréa.

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Em 2021, estudo de cientistas da Universidade Johns Hopkins (EUA), publicado na revista Chemical Research in Toxicology, encontrou quase 2 mil substâncias em cigarros eletrônicos, a maioria não identificadas. Entre os reconhecidos, seis eram potencialmente prejudiciais. Foram analisadas quatro marcas populares, com sabor de tabaco, e chamou a atenção do grupo a detecção de cafeína em duas delas - o que já havia sido achado antes, mas só em cigarros com sabor de café ou chocolate. "Isso pode estar dando aos fumantes impulso extra que não é divulgado", disse Mina Tehrani, uma das autoras, em comunicado da Johns Hopkins.

A alta concentração de nicotina em certos dispositivos (a vaporização de um "pen-drive", por exemplo, equivale a um maço) também torna a experiência altamente viciante. Nos EUA, casos de lesão pulmonar associada aos cigarros eletrônicos (Evali) chamaram a atenção em 2019. O país registrou 68 mortes, em faixa etária média de 24 anos. Após pesquisas, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças concluíram que produtos com THC (componente da maconha) estavam ligados à maioria dos casos. No Brasil, a Anvisa recebeu oito notificações. A primeira, em 2019; a última, em abril.

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Representantes da indústria do tabaco afirmam que a lesão não é causada pelo dispositivo, mas pela adulteração do líquido usado e dizem ainda que dúvidas sobre a composição dos cigarros eletrônicos recaem justamente em produtos irregulares - e que a regulação poderia impedir problemas.

A especialista em toxicologia e doutora pela USP Silvia Cazenave diz que a "regulamentação auxilia o controle porque quando se regulamenta, obriga-se a fiscalização". Segundo ela, a regulação também pode ajudar a encontrar formatos que evitem o consumo entre jovens, público considerado mais vulnerável, como controlar a publicidade online e sabores atraentes aos mais novos.

A proibição, diz a Philip Morris, leva ao "uso irresponsável" dos mais diversos tipos de cigarro eletrônico e sem "nenhum tipo de controle". Liberar com regras elevaria o controle em caso de problemas e evitaria perda na arrecadação de impostos criada pela venda irregular (não taxada).

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A Anvisa reconhece a necessidade de enfrentar o mercado irregular e fez a sugestão, no último relatório, de melhorar a fiscalização no meio digital, fronteiras e pontos de venda, com ajuda da Receita Federal e polícias. Aponta ainda que mesmo onde dispositivos foram liberados com regras, o mercado ilegal continuou. Segundo o governo canadense, 80% das lojas promoviam produtos fora das regras em 2019. Procurada, a Anvisa disse que a análise de impacto foi feita pela área técnica e sua finalização está sendo concluída com base no apresentado na tomada pública de subsídios de 60 dias, "encorpando o processo com a participação dos stakeholders desse mercado".

Experimentação de cigarro eletrônico é maior entre jovens

Dados de um inquérito brasileiro divulgado em março mostram que a taxa de experimentação do cigarro eletrônico entre jovens de 18 a 24 anos é o dobro do índice da população adulta em geral. Um em cada cinco jovens disseram que já usaram os dispositivos - a taxa cai para 7,3% na população em geral, diz estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

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O risco da liberação, para especialistas em saúde, é aumentar o uso por quem ainda não fuma - e esses podem migrar para o cigarro tradicional, mais barato, ou passar a usar os dois produtos. O Brasil é reconhecido internacionalmente por esforços para reduzir o tabagismo (nos últimos 25 anos, a taxa de fumantes caiu de 34,8% para 12,8%). 

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