Estudo mostra que excesso de manganês em peixes do Rio Doce ameaça saúde humana
O metal foi liberado no rio em grande quantidade após desastre na barragem de Mariana em 2015
Um estudo diz que alta concentração de manganês em peixes no Rio Doce, em Regência, Linhares, coloca em risco a saúde dos consumidores. O metal foi espalhado pelo rio após o desastre de Mariana, em 2015, quando foram liberados 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos ricos em ferro no rio.
O metal foi encontrado em grande quantidade em duas espécies de peixes: o bagre amarelo e o peixe-gato marinho. Esses peixes são alimentos comuns entre os moradores da região.
O professor do Departamento de Oceanografia da Ufes Ângelo Bernardino, é um dos autores do artigo. Segundo ele, outro estudo da Rede, que é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), está analisando os riscos da presença de metais para a saúde humana por meio de múltiplas fontes de contaminação na região de Regência.
“Em grandes concentrações no organismo humano, o manganês pode comprometer o sistema nervoso central e levar a doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer”, afirma o professor.
Os rejeitos percorreram 688 quilômetros rio abaixo e atingiram o estuário e o oceano 16 dias após o rompimento da barragem. “O desastre representou uma das maiores falhas de barragem de rejeitos já registradas e o maior desastre ambiental da história da mineração no Brasil, também matando 19 pessoas e causando extensos danos ecológicos, econômicos, sociais e culturais”, lembram os pesquisadores.
De acordo com Bernardino, com o tempo, o manganês foi se dissociando dos rejeitos de ferro e se diluindo na água do estuário. Ele conta que amostras dos peixes e da água foram coletadas e analisadas sete dias após a chegada dos rejeitos, em 2015, e novamente dois anos após o rompimento da barragem. Em 2017, foi constatado um aumento de 880% do manganês dissolvido na água.
O estudo mostrou que o alto conteúdo de manganês em fígados de peixes é indicativo de exposição crônica ou aguda, dada a função do fígado no armazenamento, na redistribuição e no metabolismo de contaminantes. O manganês também foi encontrado no tecido muscular dos peixes, o que representa um alto risco para a saúde humana da comunidade local porque os músculos são consumidos por humanos, como já demonstrado em trabalhos anteriores da Rede.
De acordo com os pesquisadores, o manganês é um elemento abundante nos ecossistemas terrestres e costeiros e um micronutriente essencial nos processos metabólicos de plantas e animais. Em situações normais, não é considerado um elemento potencialmente tóxico devido ao seu baixo teor tanto no solo quanto na água.
“Aqui, avaliamos o potencial de contaminação do estuário do Rio Doce após o colapso da maior barragem de rejeitos de mina do mundo, resultando potencialmente em exposição crônica à vida aquática local e de humanos”, afirmam os pesquisadores no artigo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de alimentos é a principal via de exposição ao manganês para humanos, com concentração média em fontes de proteínas básicas, como carne bovina, aves e peixes.
Os pesquisadores alertam que a liberação contínua de manganês levará ao acúmulo do elemento químico em outras espécies de peixes, caranguejos, plantas e ostras, todas importantes fontes de alimento para a população local. “Uma ingestão constante de alimentos com altas concentrações de manganês a longo prazo pode expor a população local a efeitos adversos à saúde humana, como distúrbio neurodegenerativo, toxicidades cardiovasculares e danos ao fígado”, dizem no artigo.
Ainda segundo o professor Bernardino, alguns estudos estão sendo efetuados no sentido de recuperar o estuário. “Nosso grupo está avaliando duas formas. Uma delas é o tratamento de solos com sulfato, o que pode fazer com que os metais se prendam ao ferro nos solos e não contaminem a fauna. A outra alternativa é o uso da taboa, uma planta herbácea que tem grande capacidade de acúmulo de metais”, afirma.
A Samarco informa que o material formado após a extração do minério de ferro não é tóxico. Assim, não impõe risco à saúde daqueles que tenham contato com o rejeito. Ainda segundo a empresa, não há presença significativa de metais pesados na composição dos materiais decorrentes do rompimento da barragem de Fundão.
A empresa ressalta que a bacia do Rio do Doce é a mais monitorada do país, com 22 estações automáticas e 92 pontos de coleta de dados ao longo de Minas Gerais e Espírito Santo. Esse monitoramento é conduzido pela Fundação Renova, entidade autônoma e independente.
A Fundação Renova informou que não tem conhecimento do estudo e irá analisá-lo. A Renova disse que realiza monitoramento sistemático da água e sedimentos desde 2017.
"Os resultados do monitoramento da bacia do Rio Doce demonstram uma tendência de recuperação em toda a região impactada, com a retomada das concentrações dos parâmetros de qualidade da água em níveis históricos. Mesmo antes do desastre, o nível de turbidez e alguns metais dos rios é mais elevado no período de chuvas – de outubro a março – como já apontava o monitoramento realizado pelos órgãos de gestão de recursos hídricos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os resultados dos períodos chuvosos após o rompimento mostraram uma melhora na condição dos rios impactados. Já no período seco – de abril a setembro – é possível observar, desde 2016, condições similares às de antes do rompimento da barragem de Fundão", diz parte da nota da Renova.
A fundação explicou que a captura das espécies nativas está proibida no trecho do Rio Doce em Minas Gerais, exceto para pesca de subsistência, e as espécies exóticas podem ser capturadas para pesca comercial e esportiva.
"A proibição foi aplicada pelo Instituto Estadual de Florestas [IEF], com base em questões relativas à conservação de peixes, devido aos impactos do rompimento da barragem de Fundão, especialmente por conta da perda de hábitats e mortandade de peixes, não havendo relação direta com as discussões sobre a qualidade do pescado e o risco à saúde humana. A portaria visa principalmente assegurar o equilíbrio ecológico e a biodiversidade no estado de Minas Gerais, além de proteger a fauna e a flora aquáticas da bacia do Rio Doce", disse a Renova.
Em julho de 2020, segundo a Renova, foi criado um eixo prioritário, em ação civil pública que tramita na Justiça Federal, com o objetivo avaliar as condições atuais dos peixes e esclarecer se a restrição da pesca de espécies nativas teria efeito positivo para o meio ambiente e quais medidas podem ser tomadas para a retomada da atividade pesqueira.
A fundação divulgou que, no Espírito Santo, uma ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) proíbe a pesca na região na marinha da foz do Rio Doce até 20 metros de profundidade, entre Barra do Riacho, em Aracruz, e Degredo/Ipiranguinha, em Linhares. Na calha não há qualquer restrição ou proibição legal a nenhuma categoria de pesca.
"Cabe ressaltar que, a Fundação Renova não tem competência para estabelecer qualquer normativa quanto ao ordenamento pesqueiro, ou seja, liberar ou proibir a pesca. Sendo essa atribuição dada aos órgãos gestores IEF em Minas Gerais e Secretaria de Aquicultura e Pesca em nível federal", finaliza a nota da Renova.