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MASSACRE DE ARACRUZ

Em depoimentos inéditos, sobreviventes de ataque em escolas relembram manhã de terror

O programa Repórter Record Investigativo revela detalhes da invasão a duas escolas de Aracruz, que completa quatro meses neste sábado (25)

Redação Folha Vitória
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Foto: Montagem / Folha Vitória
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A gente ouve falar que vai passar, que é questão de tempo, que isso vai passar. Vida que segue. Não! Vida não segue! Para nós, para quem viveu, é diferente”.

O relato comovente é da pedagoga Marlene Barcelos, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, uma das que foi invadida por um atirador de 16 anos no dia 25 de novembro de 2022, em Coqueiral de Aracruz, na cidade de Aracruz, no Norte do Espírito Santo. No local, ele matou três professoras.

O jovem atacou a escola estadual na hora do recreio e depois seguiu para o Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), onde matou uma aluna de 12 anos. Uma carnificina que completa quatro meses neste sábado (25).

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O programa Repórter Record Investigativo, da TV Vitória/Record TV, conversou com professores, funcionários, alunos e forças de segurança para detalhar, através de depoimentos inéditos, a manhã de terror vivida no pacato bairro de Aracruz, onde o jovem invadiu duas escolas e matou quatro pessoas. No total, 12 pessoas ficaram feridas.

O atirador é filho de um policial militar. Ele está apreendido em um centro para menores infratores.

“A coisa mais dolorosa do mundo foi ver os meus amigos gritando, meus amigos morrendo e não poder fazer nada!”, resume o professor Luiz Carlos Simora, que tenta curar as feridas causadas pelo ataque na Primo Bitti.

Eram 7h39. A imagem de câmera de segurança mostra um carro branco em direção ao topo da tela. Quem está no veículo é um tenente da Polícia Militar à paisana. Ele está acompanhado da mulher.

Foto: Repórter Record Investigativo
Carro dos pais do adolescente deixa Coqueiral

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O ataque aconteceu numa sexta-feira. Eram 7h39 quando a imagem de uma câmera de segurança mostrou um carro branco indo em direção ao topo da tela.

Quem estava no veículo era um tenente da Polícia Militar à paisana, acompanhado da mulher.

>>LEIA TAMBÉM: O doloroso recomeço para alunos e professores após tragédia em escolas

De acordo com a investigação, eles haviam saído para fazer compras no centro de Aracruz, a 85 km da capital, Vitória. Na casa da família, que fica a cerca de 24 km do município, eles deixaram o filho único, de 16 anos.

Naquele dia, a eventos marcavam os últimos dias de aula de 2022 na Primo Bitti.

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“Tinham duas palestras de empreendedorismo. Uma seria das 7h30 às 8h30 e a outra das 8h30 às 9h30”, contou a professora Viviane Rosa.

A escola estava praticamente vazia. Somente 60 dos 320 alunos do turno da manhã tinham ido à aula.

Eram 9h04 quando a câmera registrou um carro dourado seguindo também em direção ao centro da cidade. Naquela hora ainda não se sabia, mas quem estava ao volante era o jovem de 16 anos, filho do policial militar.

Foto: Repórter Record Investigativo
Carro dourado segue para Escola Primo Bitti

Com o fim das palestras, os estudantes da Primo Bitti estavam ansiosos pelo recreio.

“Aí encontrei Marlene na porta e perguntei: ‘E aí, Marlene? O recreio vai ser agora? Depois?’ Aí Marlene falou: ‘Não, eu vou convencer a Simone aqui porque os meninos estão com fome’”, contou Luiz Carlos.

A estudante Jamile Rabelo e alguns amigos do primeiro ano do ensino médio já se reuniam no pátio.

“A gente estava por aqui para lanchar. A gente tinha pegado lanches e sentado nas cadeiras”, disse Jamile.

Dentro da sala dos professores, cerca de 14 educadores também se preparavam para o intervalo.

“A gente estava ali concentrado, conversando, rindo, falando que já estava chegando a hora das férias, faltam quantas semanas e como é que tá de nota. Conversamos essas coisas”, contou a professora Sandra Regina Guimarães, que sobreviveu ao atentado.

“Normalmente, o intervalo era às 9h20, mas eu acho que eram umas 9h30. Já tinha um tempinho que a gente tava lá conversando”, contou a professora Degina Fernandes, outra sobrevivente..

Eram 9h25 do lado de fora da escola quando câmeras filmaram a chegada do carro dourado. O veículo seguiu em direção aos fundos da escola.

Confira relatos inéditos de quem sobreviveu

Na Escola Primo Bitti, a pedagoga Marlene seguia em direção à secretaria para anunciar o começo do recreio.

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“Vi que a Marlene estava vindo. Quando ela chegou perto de mim, ela disse: ‘Não, peraí, Vivi. Vou dar o sinal para eles descerem para o recreio’. Quando ela deu o sinal, nós escutamos: pou, pou”, relatou a professora Viviane Rosa.

“Eu só percebi que era tiro porque foi incessante. Eu gritei, saí pelo corredor gritando: ‘Corre que é tiro, corre que é tiro!”, contou Marlene.

“Pou, pou! Aí eu falei que os meninos estavam soltando bombinha. Eu corri para a porta para ver, mas aí quando eu cheguei, dei de cara com ele atirando”, disse o professor Luiz Carlos.

“Do nada, nós escutamos mais três tiros de dentro da sala. Aí vimos o rapaz dando dois passos para dentro e atirando nas meninas”, contou Sandra.

Foto: Repórter Record Investigativo
Viviane mostra como adolescente atirava
“Ele fez assim: tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu. Ele não parava de atirar”, complementou Viviane.

“E aí eu corri e me joguei em frente ao sofá, no chão. E senti passando um negocinho na cabeça (tiro), assim”, contou a professora Jéssica Perini.

Cada um se protegeu como pôde. Sandra e outras professoras se esconderam debaixo da mesa. Mesmo assim, ela foi atingida.

“Eu entrei e deixei a perna aberta. Ele deu dois tiros e acertou as minhas duas pernas”, disse Sandra, que hoje luta para voltar a andar.

“Debaixo da mesa, eu me encolhi toda. Fiquei paralisada! Para mim, o tempo parou. Eu não sabia o que estava acontecendo”, disse a professora Bárbara Melotti.

Foto: Repórter Record Investigativo
Bárbara Melotti se escondeu debaixo da mesa

Uma carnificina acontecia na sala dos professores e o pânico se espalhava dentro e fora da escola.

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“Alguns alunos pularam o muro, eu corri para dentro da cantina, junto com as mulheres que estavam lá dentro, outros correram para o fundo da escola”, contou a aluna Jamile.

“O que eu imaginei naquele momento: preciso tirar os alunos daqui”, relatou Marlene.

Foto: Repórter Record Investigativo
Jéssica conta que bala passou perto da cabeça
“E eu fiquei ali, ouvindo todos aqueles tiros, esperando o meu, porque eu tinha certeza que algum ia pegar em mim, não tinha como. Era muito!”, resumiu Jéssica.

De repente, os tiros pararam. A câmera de segurança não mostrou o horário, mas registrou o momento em que o atirador saiu da Escola Primo Bitti. Ele entrou no carro dourado e partiu, deixando para trás o cenário de uma guerra covarde.

“Aí eu gritava para as meninas da frente: ‘Aristênia! Priscila! Ana Paula!’ Elas não respondiam nada”, disse Sandra.

“Vi meus amigos caídos na sala. Primeiro, eu vi Penha, Aristênia e Priscila. Aí quando eu voltei para ver, no canto tava um monte de gente caída. Saí correndo lá fora, ligava para o 190 e nada! Aí eu liguei para o tenente Farias, ele atendeu e falou que estava vindo para cá”, disse Luiz Carlos.

O militar lembra com angústia do dia do massacre de Aracruz:

“De imediato, desloquei uma guarnição da Polícia Militar para o local, acionamos o Serviço Médico de Urgência e as empresas aqui da nossa região também enviaram ambulâncias”, contou o tenente Adriano de Farias.

Foto: Repórter Record Investigativo
Vista do bairro Coqueiral de Aracruz

Segundo ele, Coqueiral de Aracruz é um bairro considerado muito tranquilo, tendo passado 20 anos sem a ocorrência de nenhum único homicídio.

“Há dois anos tivemos um homicídio. Já estávamos há dois anos sem registrar nenhum homicídio na nossa região. Infelizmente, no 25 de novembro, acabou acontecendo essa tragédia”, disse o oficial.

Atirador quebrou cadeados antes de entrar Primo Bitti

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Segundo o tenente Farias, o atirador chegou na área da escola através do estacionamento, parou o veículo e rompeu o cadeado do portão. Ele entrou na área da unidade escolar e caminhou por um beco, onde havia construções de um lado e de outro.

Foto: Repórter Record Investigativo
Atirador teve acesso à Escola Primo Bitti após romper cadeado do portão dos fundos

Havia um segundo portão, que o adolescente também rompeu o cadeado. Chegando próximo à sala dos professores, ele acessou o local por meio de uma porta que havia lá.

>>LEIA TAMBÉM: Interesse de atirador de Aracruz por conteúdo nazista começou aos 14 anos

A sala dos professores e o restante da Escola Primo Bitti passaram por uma grande reforma desde o dia do crime. No ambiente onde docentes foram atingidos hoje fica a biblioteca.

No momento em que o adolescente entrou na sala dos professores, ele já chegou atirando, baleou alguns professores, se virou e disparou contra os que estavam no sofá também.

Foto: Repórter Record Investigativo
Marcas de tiros no sofá da sala dos professores da Escola Primo Bitti e nas paredes

A mudança do cenário na Primo Bitti é muito recente. A edificação dos fundos foi demolida, instalada uma grade e a porta da antiga sala dos professores não existe mais.

“Eu liguei para o meu marido e falei que houve um tiroteio na sala dos professores. Ele me perguntou se eu estava ferida e eu disse que sim, no braço, que não corria risco de vida, mas que minhas amigas corriam. Pedi a ele para chamar socorro. Meu marido ainda me perguntou se queria que ele fosse me buscar e eu disse que só queria que ele fosse atrás de socorro”, contou Bárbara Melotti.

Segunda invasão sem dificuldades para o atirador

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Quando a notícia começou a correr pelo bairro, outro susto. Eram 9h49 quando as câmeras do Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), a 1 km da Escola Primo Bitti, registraram mais uma ação do atirador.

Foto: Repórter Record Investigativo
Câmeras do CEPC flagraram o atirador, vestindo uniforme camuflado e braçadeira com suástica

Com arma em punho, uniforme camuflado, capuz, máscara de caveira e braçadeira com uma suástica, ele entrou pela porta da frente já atirando. Não encontrou nenhum obstáculo.

Alunos e funcionários correram, tentando se proteger. O atirador subiu a rampa e no segundo andar, onde ficavam as salas de aula, abriu fogo. Três alunos foram atingidos.

O tenente Farias, que seguia em direção à primeira escola, se surpreendeu com um novo telefonema.

Foto: Repórter Record Investigativo
O tenente Farias atendia a ocorrência quando recebeu telefonema do filho, aluno de uma das escolas atacadas
“Eu estava prosseguindo para a Escola Primo Bitti quando recebi um telefonema do meu filho, relatando que na escola CEPC também havia ocorrido fato semelhante, onde uma pessoa havia adentrado a escola, efetuado disparos contra os alunos. Então, de imediato, eu mudei o meu trajeto e prossegui para o CEPC, para garantir a segurança não só do meu filho, como também nos demais alunos e professores”, disse o tenente.

O delegado André Jaretta, da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), disse que o atirador tinha plena consciência de que entre um ataque e outro, havia chamado a atenção das autoridades.

Foto: Repórter Record Investigativo
André Jaretta, delegado
“Após ele ter cometido os atos na primeira escola, ele tinha plena consciência de que ele já tinha despertado a atenção das forças de segurança e da população local. Ele tenta, nesta segunda escola, agir com rapidez, com a mesma finalidade de não ser detido, não ser apreendido enquanto praticava os atos infracionais perpretados”, disse o delegado.

Tenente definiu a situação como cenário de guerra

O tenente Farias definiu a situação no CEPC como um verdadeiro cenário de guerra, com crianças uniformizadas e alvejadas.

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“Fizemos uma varredura no ambiente escolar, retirando todas as pessoas que estavam dentro ainda da escola, e verificando se o atirador se encontrava ainda naquele local”, disse o tenente.

Selena Sagrillo Zuccolotto, de 12 anos, é encontrada morta no CEPC. Na Escola Primo Bitti, as professoras Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos, e Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48, também morrem.

Flávia Amboss Merçon Leonardo, de 38 anos, recebe socorro. Ela foi levada para o Hospital Estadual Jayme Santos Neves, a 43 km de Coqueiral, mas morre no dia seguinte.

Foto: Montagem / Folha Vitória
Penha, Cybelle, Selena e Flávia morreram no massacre de Aracruz
“Não tem um dia que eu não sonhe e que não venha na minha mente os gritos da minha amiga Flávia, a voz da minha amiga Cybelle, falando para mim que ela amava a família dela! Foi a última palavra que ela falou comigo”, disse o professor Luiz Carlos, emocionado.
Foto: Repórter Record Investigativo
Luiz Carlos Simora se emociona ao lembrar das amigas que morreram no ataque à Primo Bitti

Alessandra Kruguel falou dos momentos de angústia e da preocupação com a filha, Clara.

Foto: Repórter Record Investigativo
Alessandra fala do desespero dos pais

“Clara estava abrigada num prédio que fica ao lado da escola, com as outras crianças. Todo mundo chorando, muito desesperado. Quando a gente chegou de carro no bairro, tava um caos! A gente não conseguia entrar, parecia uma cena de guerra! Nossa, a gente só chorava porque era aquela sensação de poder abraçar a minha filha Clara, mas a dor de saber que tinha pessoas lá dentro que não tinham conseguido sair”, contou Alessandra.

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O tenente Farias teve que enfrentar não apenas a situação caótica de prover segurança nas duas unidades escolares como também lidar com a preocupação com o filho.

“A gente tinha a emoção de estar com crianças conhecidas, amigas do meu filho, alvejadas. O meu filho estava na escola também, não foi uma vítima, não foi alvejado. Mas tivemos que agir com a razão”, disse o tenente.

Cinquenta e oito minutos depois do primeiro registro, o carro dourado foi flagrado voltando para a residência da família, às 11h47. 

Foto: Repórter Record Investigativo
Adolescente volta para casa no carro dourado

Quatro horas depois de ter deixado o filho em casa, o carro branco dos pais do adolescente segue pelo mesmo caminho.

Mas 1h12 depois, às 12h45, o carro branco do pai do adolescente foi visto novamente em direção à saída do bairro. 

A investigação da Polícia Civil apontou posteriormente que o adolescente estava no carro junto com os pais.

“Tudo indica que havia uma premeditação no fato”, disse o delegado André Jaretta.

Quatro meses após o massacre de Aracruz, o sentimento ainda é de dor.

“A gente ainda está sofrendo muito. Está sendo muito doído ainda. Muito medo, muita angústia”, disse Bárbara Melotti.
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