Interesse de atirador de Aracruz por conteúdo nazista começou aos 14 anos
Reportagem especial mostra que adolescente participava de fóruns extremistas na internet e, segundo investigação, tudo começou durante a pandemia
Poucas horas após os ataques em duas escolas de Aracruz e que resultou na morte de quatro pessoas e 12 feridos, o adolescente de 16 anos confessou o crime e foi apreendido. O programa Repórter Record Investigativo, da TV Vitória/Record TV, revela em reportagem especial com depoimentos inéditos que o interesse do jovem por conteúdo nazista teria começado aos 14 anos.
Entre os mortos, estavam três professoras da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti e uma estudante de 12 anos, da escola particular Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC).
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Aos poucos, a investigação da polícia foi identificando a personalidade do atirador. Ele participava de grupos secretos na internet e tinha interesse por conteúdo nazista. Segundo a investigação, tudo começou durante a pandemia, quando o adolescente tinha apenas 14 anos.
Os agentes chegaram até ele a partir de imagens do carro que ele utilizou nos crimes.
"Nós observamos que um carro específico tinha sido utilizado, com um modelo de cores específicas que não era um modelo e uma cor muito comum de circular aqui na região. Chegamos até um imóvel onde esse veículo estava registrado. Quando os policiais chegaram lá, aquela casa era de um colega de trabalho militar dele, pai do adolescente", explica o titular da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa de Aracruz, delegado André Jaretta.
"A placa desse veículo estava encoberta por adesivos. Então, isso nos trouxe um direcionamento que esse seria o veículo que o autor dos disparos estava utilizando", acrescenta o tenente Adriano de Farias, da Polícia Militar.
"A residência estava fechada e um dos integrantes da nossa equipe da Polícia Militar nos relatou que o pai do autor tinha uma outra residência numa praia próxima, cerca de 7 km. Chegando lá constatamos a presença do pai, da mãe e do menor, que estava nessa residência", acrescentou.
No depoimento em que confessou o crime, o adolescente de 16 anos confirmou as suspeitas.
"Ele apenas olhou para o pai dele e falou: 'Foi eu mesmo que fiz'", relembra o tenente.
O delegado recorda que os policiais lembraram ao rapaz que ele estava com um chapéu parecido com o do vídeo. "Ele disse que era parecido, mas que não era o chapéu da imagem. Depois falou que o chapéu e a roupa que ele utilizou estavam na casa dele em Coqueiral, onde a primeira equipe permanecia", reforça.
Ao voltar para casa da família em Coqueiral de Aracruz, o jovem mostrou aos policiais as roupas e as duas armas do pai que usou no massacre: uma pistola ponto 40 utilizada pelo tenente a serviço da polícia e um revólver calibre 38 com qual ele praticava tiro esportivo. O delegado Jaretta explicou que o revólver de cano alongado não faz parte do arsenal da PM, era uma arma particular.
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"Quando ele apontou aonde estava o armamento, o armamento se encontrava com o cadeado. Ou seja, ele fez a utilização do armamento e colocou o cadeado na mesma forma que o pai costumava guardar o armamento. Ou seja, houve uma premeditação na cabeça dele de criminoso: seria um plano perfeito e que ele passaria impune desse ato bárbaro que ele cometeu", apontou o tenente de Farias.
Os policiais também encontraram armas de pressão, a suástica (desenhada a próprio punho usada na roupa do dia do ataque), além de outros conteúdos extremistas.
"Ao longo da investigação no inquérito policial foi constatado que a partir de execução ele fez tudo sozinho. Mas o planejamento é que ele mantinha alguns contatos com grupos neonazistas mas a gente não sabe detalhar que tipo de suporte que foi dado para ele para execução desse crime", acrescenta Farias.
Tudo começou em 2020 na período da pandemia de coronavírus. Segundo a Polícia Civil, o adolescente, então com 14 anos, passou a visitar sites, fóruns e participar de grupos de mensagens que difundiam ideias nazistas. Ele consumia e também chegou a produzir vídeos com conteúdo violento.
"Infelizmente, ele vai se tomando por esse sentimento de ódio, se sente atraído por esses ideais. Ao final, acreditava que uma ação violenta poderia ser um gesto de protesto", sintetiza o delegado.
A advogada da família do atirador, Priscila Benichio, disse que os pais não haviam percebido o interesse do jovem por neonazismo.
"Eles tinham percebido o interesse dele em relação aos assuntos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Inclusive, eles tinham visitado um museu mas nada que eles pudessem imaginar qual seria o verdadeiro intuito disso", aponta.
A pesquisadora Luciene Tognetta, do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), apontou para a dinâmica de grupos extremistas.
"A gente tem visto um cenário da formação de vários desses grupos em que eles têm algo em comum: eles têm uma necessidade de se sentirem importantes, empoderados. Não é diante dos outros porque é naquele grupo é que eles vão se sentir valorizados", diferencia.
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A advogada diz que o adolescente alegou que cometeu os crimes por causa de um bullying sofrido no colégio.
"Com relação a escola ele fala que inicialmente ele tinha objetivo de ir em uma outra escola onde ele supostamente teria sofrido bullying na adolescência. Era uma escola um pouco mais distante de onde ele morava, o que dificultaria também o deslocamento. Ele acabou depois mudando a ideia para essas outras duas escolas", narra o delegado Jaretta.
Atiradores em escolas tiveram acesso ao armamento por meio da própria família
Atentados em escolas têm se tornado frequentes. Um dos motivos do acesso desses adolescentes às armas é a própria família.
"Para você ter uma ideia temos 12 casos mapeados no Brasil. Mas o que nos preocupa é uma aceleração nos últimos anos. O que a gente percebe olhando esses casos em detalhe é que a grande maioria dos atiradores acessou essa arma com a sua família. Especialmente pai ou mãe, no máximo, tio. Mas assim com a sua família muito próxima. Essa arma estava acessível dentro de casa", detalha Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz.
A advogada da família respondeu para a equipe do Repórter Record Investigação que o pai não o ensinou a atirar mas o ensinou a dirigir.
Já o delegado Jaretta não confirmar que o rapaz possuía treinamento. "Afirmar que ele era treinado é um pouco difícil mas de que ele tinha conhecimento do manuseio da arma de fogo é bem notório", diferencia.
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Atualmente, a casa da família do atirador está vazia. Segundo vizinhos, foram para paradeiro desconhecido. Ninguém teve contato maior com o rapaz para falar sobre seu comportamento. Disseram que ele era um garoto calado e discreto.
Alunos e professores que conviveram com o jovem também o definem como uma pessoa calada.
"Ele nem olhava para o cara das pessoas. Ele sempre abaixava a cabeça", cita Jamile Rabelo, uma das estudantes sobreviventes ao massacre.
"A minha sobrinha era da sala dele, estudava com ele e ele tinha muita dificuldade de se expressar. Ela falava assim: 'Tia'. Eu chegava perto dele e perguntava se ele precisava de ajuda'", relembra Vanessa de Lima, secretária da Escola Primo Bitti, um dos colégios onde ocorreram as mortes.
"Ele foi meu aluno desde o nono ano do ensino fundamental e eu já acompanhava esse problema dele ser depressivo. Acompanhava entrega de tarefas que a mãe ia solicitar quando ele não podia estar na escola", relata Ana Paula Alvarenga, uma das professoras sobreviventes.
Segundo a advogada da família do atirador, Priscila Benichio, ele fazia tratamento contra a depressão. "Ele já fazia um tratamento inclusive com medicamentos"
Doze dias depois do atentado o juiz do caso já havia decidido o destino do adolescente: três anos de internação, que é o máximo permitido por lei. Ele está internado em uma unidade para adolescentes infratores em Vitória, podendo receber visitas a cada 15 dias. Nas avaliações psicológicas, feitas até agora, não foi diagnosticado nenhum tipo de distúrbio psíquico.
"Agora nós temos concentrar em esforços na parte de proteção de toda a comunidade que ficou abalada com relação a isso. E também para que atos dessa natureza sejam evitados. Não só aqui no Brasil porque isso é um fenômeno mundial e é muito perigoso", comenta Felipe Leitão, juiz da Vara da Infância e Adolescência de Aracruz.
Outras investigações relacionadas ao caso seguem em segredo de Justiça. Uma delas apura possíveis descuidos em relação ao armazenamento das armas.
"Todas as pessoas que têm uma arma de fogo são responsáveis por essa guarda e adolescentes conseguem acessar. Então por isso a gente fala da importância de discutir não só o acesso mas também a quantidade e o tipo de arma que está sendo acessado", aponta Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz.
Atentado completa quatro meses
O atentado a duas escolas de Aracruz, que deixou três professoras e uma estudante mortas, completa quatro meses neste sábado (25). Na tragédia, em que um adolescente de 16 anos entrou nas duas instituições atirando, outras 12 pessoas ficaram feridas e precisaram ser socorridas.
Morreram as professoras Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos; Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos; e Flávia Amboss Merçon Leonardo, de 36 anos; e a estudante Selena Sagrillo Zuccolotto, de 12 anos.