Médica capixaba atua em tribo yanomami e denuncia: "Não foi por falta de aviso"
Ana Caroline Marques diz que situação de extrema precariedade em Roraima foi alertada diversas vezes ao governo Jair Bolsonaro, que não deu retorno
As condições precárias e de abandono que resultaram na crise humanitária que vive a população yanomami em Roraima foram alertadas pelos médicos que atuavam na região para o então governo Jair Bolsonaro (PL), que não deu nenhum tipo de retorno.
A informação é da médica capixaba Ana Caroline Marques, que trabalha em uma unidade básica de saúde em Auaris, terra indígena yanomami, no noroeste do estado amazônico. Ela é de Aracruz, no Norte do Espírito Santo, e está há oito meses na região.
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"O que estamos vivendo hoje no território yanomami é o reflexo de anos de negligência do poder público. Não é algo de hoje e também não foi por falta de aviso", afirma.
Segundo Caroline, que também é indígena, as imagens, que hoje chocam o mundo causando revolta e tristeza, potencializam esses sentimentos em quem está diretamente ligado ao trabalho da assistência ao povo indígena.
"Nesses oito meses de trabalho fui vivenciando várias situações e observando o quanto faltava uma assistência de qualidade, de investimento, infraestrutura, de recursos humanos. É muito trabalho para pouco profissional. São muitas necessidades para as poucas estruturas e equipamentos que temos", ressaltou.
A médica conta que a estrutura na região é precária. Os medicamentos são escassos e até o serviço de limpeza é feito pelos profissionais de saúde.
"Já tive uma situação em que precisava reanimar uma criança e não havia equipamento. Já aconteceu de não termos dipirona para controlar uma febre. É um sentimento de impotência", desabafou.
Crianças yanomamis estão gravemente desnutridas, diz médica
Caroline lembrou que a presença de garimpo ilegal contribuiu para piorar a situação de inexistência de serviços médicos aos indígenas. "Há polos de assistência que não estão funcionando por causa dessa relação com o garimpo", alertou.
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O problema de desnutrição atinge, nas contas da médica, cerca de 80% das crianças entre zero e cinco anos de idade.
Ela também relatou que raramente encontrou um idoso em boas condições de saúde, pois também sofriam com a falta de alimentos.
"É perceptível que a população já tem problemas de acúmulo de desnutrição crônica. É uma população que vem diminuindo de estatura no decorrer dos anos e isso compromete a vida dela em várias situações", comentou.
A médica explicou que verificava o peso das crianças até cinco anos mensalmente para uma avaliação do quadro nutricional delas.
"A cada mês, percebíamos uma perda de peso ao invés de ganho. Chegamos a solicitar alimentação para essas crianças com maior grau de vulnerabilidade, porém não obtivemos sucesso quanto a isso", lamentou, citando que necessitava de suplementos vitamínicos como sulfato ferroso para combater a anemia, mas nunca estava disponível.
Após o governo federal sob o comando do presidente Lula (PT) decretar emergência em saúde pública em todo o território yanomami, mais de 1 mil indígenas foram resgatados. A maioria em estado grave.
Uma equipe da Força Nacional do SUS foi enviada ao local para ajudar nos atendimentos. Um hospital de campanha foi montado. A Polícia Federal abriu um inquérito, nesta quarta-feira (25), para investigar se houve crime de genocídio e omissão de socorro na assistência dada pelo governo de Bolsonaro aos yanomamis.
No último domingo (22), Bolsonaro falou sobre o assunto em seu canal no Telegram, e respondeu às falas ditas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último sábado (21). Bolsonaro disse que as críticas são “farsa da esquerda”, além de citar as medidas feitas para a população indígena.
“Contra mais uma farsa da esquerda, a verdade: os cuidados com a saúde indígena são uma das prioridades do governo federal. De 2019 a novembro de 2022, o Ministério da Saúde prestou mais de 53 milhões de atendimentos de atenção básica aos povos tradicionais, conforme dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, o SasiSUS”, disse na mensagem, que foi replicada de uma publicação do Ministério da Saúde em dezembro de 2022, durante o seu governo.
Em coletiva, o presidente Lula criticou a gestão de Bolsonaro com os povos indígenas: “Se ao invés de fazer tanta motociata tivesse vergonha e viesse aqui, quem sabe esse povo não tivesse abandonado como está”.
*Com informações do repórter Lucas Pisa, da TV Vitória/Record TV