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Caso Robinho: Vítima de estupro coletivo fala pela primeira vez

Albanesa identificada apenas pelo primeiro nome, Mercedes, conta em depoimento inédito a documentário que não estava consciente durante o crime

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
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Foto: Globoplay/Divulgação
Cena da série documental 'O Caso Robinho' traz relato inédito da vítima de estupro coletivo 
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“Se eu fosse me descrever, me sentia como uma música brasileira. Cheia de ritmo, cheia de alegria, cheia de luz. Digo sempre que eu estava cheia de cores. Coisa que depois se apagou.” 

Assim começa o relato de Mercedes, a albanesa estuprada na madrugada de 22 de janeiro de 2013 pelo jogador de futebol Robinho e cinco de seus colegas no Sio Café, uma boate de Milão, na Itália. Era a noite em que ela comemorava com duas amigas seu aniversário de 23 anos.

Inédito para o público, o depoimento faz parte do primeiro episódio da série documental O Caso Robinho, que a Globoplay estreia nesta quarta-feira, 30 de outubro. Dividido em quatro episódios, o documentário mostra também detalhes da investigação criminal que condenou Robinho a nove anos de prisão em regime fechado na Itália, pelo crime de violência sexual de grupo. 

Traz ainda depoimentos dos procuradores de Justiça Pietro Forno e Stefano Ammendola, do advogado Jacopo Gnocchi e várias conversas obtidas pelas autoridades italianas por meio de grampos telefônicos e escuta ambiental. Em março deste ano, Robinho foi preso no Brasil. Procurada, defesa do jogador nega de maneira veemente a versão apresentada na obra (veja mais abaixo).

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Sem mostrar o rosto, Mercedes, hoje com 34 anos, autorizou apenas o uso de seu primeiro nome e conversou com a equipe do documentário dirigido por Carol Zilberman e Rafael Pirrho na Albânia. Chorando no contraluz, ela conta em 1h44 de conversa que com o tempo foi se recuperando, mas não é mais como antes. “Obviamente tiraram uma parte importante de mim. O tempo ajuda, o tempo é o melhor remédio, mas não apaga. É uma coisa que você sempre leva dentro de você.”

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A albanesa que na época do crime estudava Direito e sonhava em ser promotora pública relata no documentário que na noite do aniversário estava muito feliz de poder festejar num lugar com música brasileira, que ela havia descoberto tempos antes por uma amiga brasileira. Diz também que já conhecia alguns colegas de Robinho, que na época jogava no Milan, um dos times mais conhecidos da Europa. “Como eles vinham todo ano para a Itália, decidimos que para nos reencontrarmos nós iríamos pra lá (Sio Café)”, conta.

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Na mesma noite, Robinho tinha marcado de comemorar o aniversário de um amigo com outros de seus “parças” - alguns também denunciados pelo estupro.

Mercedes conta que estava feliz, dançando e começou a noite tomando um coquetel. Quando Robinho e os amigos chegaram, ela e suas duas amigas os cumprimentaram, mas não se juntaram a eles porque a mulher do jogador também estava na boate. 

“Eles nos disseram para não irmos por essa razão. Depois ela foi embora e a gente se juntou. Mas não propriamente porque nossa mesa era diferente da deles. Eles trouxeram bebidas. E eu aceitei.”

Ela diz que dançou mais com um amigo de Robinho que conhecia melhor e, enquanto estava dançando, uma de suas amigas veio avisar que precisava ir embora para acompanhar a segunda amiga. 

“Eu disse: ‘Espera mais dez minutos que depois vamos todas juntas’. Mas não imaginava que elas iam me deixar lá sozinha. Ou que a gente deixaria alguma sozinha. Elas foram embora e eu fiquei lá. Eu nunca deixaria minhas amigas. Não mesmo. Tenho uma personalidade muito protetora. Eu já era muito antes, tanto que eu nunca baixava a guarda. Eu só baixei aquele dia porque pensei que estava com pessoas conhecidas.”

Mercedes conta que em determinado momento saiu um pouco da boate “para respirar”. Já fora, um dos amigos de Robinho tentou beijá-la. 

“Eu o empurrei porque não queria. Voltei pra dentro, porque queria sentar, e me encontrei nesse camarim. E ali foi tudo confuso. Ele tentou me beijar de novo, eu o empurrei. Estava sentada num banco e caí. Chegou um segurança perguntando o que estava acontecendo e ele disse: ‘Não, tudo certo, sou amigo do Robinho’. Tudo que lembro depois é de estar no ato sexual.”

Segundo ela, no início estavam apenas Robinho e esse amigo no camarim onde ocorreu o estupro coletivo. 

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“Depois, eu tenho uma lembrança vaga que tinha mais uma pessoa. Não me lembro o que estava acontecendo efetivamente. É como se fossem duas pessoas. Como se a Mercedes estivesse vendo aquela cena. Lembro de ver tudo muito nebuloso, muito fosco. Não era eu. Não tinha força pra reagir, me mover. Tanto é verdade que, quando me levaram pra fora, me pegaram e me acompanharam porque eu não conseguia nem caminhar. Se eu tivesse consciência, obviamente teria parado com tudo.”

Ela conta que continuava chorando quando outro amigo de Robinho a colocou no carro dele. Ela então pegou o celular para tentar escrever para a amiga, mas só conseguiu mandar uma mensagem incompleta. 

“Depois disso eles me levaram para outro lugar. E eu fiquei no carro, obviamente, porque estava num estado em que não conseguia me mexer. Nesse meio tempo, eu tentava explicar pra Carla (a amiga) onde eu estava, mas ela não entendia. Ela me encontrou nesse estacionamento lá pelas 4 ou 5 (da manhã), não me lembro. Eu disse: “Carla, se aproveitaram de mim”. Ela me perguntou: “Quem?”. E eu disse: “Todos”.”

Mercedes relata que logo no dia seguinte um dos amigos de Robinho tentou falar com ela por mensagem, dizendo-se preocupado, mas ela recusou. “Eles não se sentiram ameaçados e por muitos meses se sentiram livres”, relata.

Foto: Foto: Globoplay/Divulgação
Cena do documentário "O Caso Robinho"
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Cerca de um mês depois do crime, ela escreveu para um deles dizendo que estava grávida. “Escrevi pra provocar, na verdade. Queria ver a reação deles.” E recebeu como resposta que tudo o que tinha acontecido havia sido por vontade dela.

“Queria entender o que tinha acontecido”, diz a vítima no documentário. “Na verdade, um pouco para tirar a culpa que eu carregava. Culpa porque... por muitas coisas. Um pouco porque eu tinha bebido, um pouco porque não reagi. Culpa por isso. Não de ter provocado. Eu não provoquei. Não por isso.”

O relato lento, sofrido e cortado por lágrimas de Mercedes contrasta com as conversas de Robinho e de seus amigos captados pelos grampos e escutas telefônicas da polícia italiana. Segundo a Assessoria de Imprensa da TV Globo, a equipe do documentário teve acesso a mais de 10 horas de áudios de conversas de Robinho colhidas com autorização da Justiça italiana. Justiça que só entrou no caso mais de um ano depois do crime.

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Ela conta na série que, após meses tentando entender e digerir o que havia acontecido, um dia desabafou com um amigo, que a orientou a denunciar o crime. Ela então procurou o advogado Jacopo Gnocchi, que pediu para que ela contasse tudo de que se lembrava. “Eu não tinha muita compreensão, não lembrava bem. Dizia que talvez fosse denunciar por engano. Ou acusar alguém que não tivesse feito nada”, lembra a vítima, na conversa com os jornalistas da série.

Procurada, a polícia então começou a investigar o caso e, para ter certeza de quem estava falando a verdade, decidiu grampear todos os envolvidos, tanto do lado de Mercedes quanto dos acusados. E a convocá-los para prestar depoimento. Jacopo conta no documentário que, enquanto das interceptações da vítima e suas amigas não surge nada e se verifica que não estavam mentindo, das interceptações dos suspeitos emerge “toda a dinâmica da violência”.

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“Em italiano se usa a expressão latina In vino veritas, que quer dizer que quando uma pessoa bebe ela geralmente acaba se soltando e pode deixar escapar uma verdade mesmo que desagradável. Eu modifiquei para In filo veritas. Significa que através de uma ligação telefônica pessoas fazem declarações que nunca fariam se fossem interrogadas diante de um juiz ou policial”, brinca o procurador Gnocchi.

Uma das grandes dificuldades de investigar crimes sexuais é coletar provas e sair do clássico cenário da palavra de um contra o outro. Sobretudo passado mais de um ano do fato. As escutas, no entanto, acabaram mudando o caso Robinho - e selando o destino do jogador. Quando os amigos de Robinho começaram a ser convocados a depor, passaram a telefonar uns para os outros remoendo detalhes da noite no Sio Café. E foram mudando as versões ao longo do processo. Como lembra o promotor Gnocchi no documentário, com tudo registrado já não se tratava mais da palavra da mulher contra a do acusado, mas sim da “palavra do acusado que se acusa”. Foi instalada até escuta ambiental no carro de Robinho em Milão.

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Para Mercedes, as gravações ajudaram a provar, entre outras coisas, que ela não estava consciente ao ser estuprada. “Quando eu li o que disseram nas interceptações, de algum modo a minha vitória estava ali, naquele momento”, revela.

O que diz a defesa de Robinho

A defesa de Robinho contesta veementemente a versão apresentada por Mercedes. Segundo o advogado do jogador, José Eduardo Alckmin, ele e os amigos comemoravam um aniversário, inclusive com a presença da mulher do atleta, quando a denunciante chegou ao local e deu um recado a um dos amigos do brasileiro, que pediu a ela para não se aproximar pois Robinho estava acompanhado da esposa. 

Após a saída da companheira, Mercedes se aproximou e teria dançado de “forma provocante” e deixado o local com um dos convidados. “Ela afirma estranhamente que tentaram beijá-la, e que ela repeliu, mas mesmo assim retorna à companhia das pessoas”, diz o advogado.

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A defesa do atleta nega acusação de estupro e afirma que a relação foi consensual. Diz ainda que Mercedes estava consciente e “voluntariamente” aderiu ao ato. O advogado cita que a denunciante “saiu com todos” e foi para uma outra boate naquela noite.

Robinho foi preso em 21 de março após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologar a sentença da Itália. Os representantes do atleta entendem que a prisão, antes do trânsito em julgado da homologação de sentença, fere a Constituição Federal. O advogado do ex-santista afirma que, no momento, a questão não é sobre o mérito do caso. Ou seja, se houve ou não estupro, “mas sim sobre o direito de todo cidadão brasileiro, quando tido como criminoso fora do Brasil, de ser julgado no País”.

“Isso é o que deveria ter acontecido ao nosso ver, mas o STJ achou que era o caso de homologar a decisão da Itália, o que também discordamos de forma veemente”, conclui Alckmin.

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