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Esportes

Revelação nacional, Ângelo Assumpção encara desafios de um ginasta em ascensão

Estadão Conteudo

Redação Folha Vitória
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São Paulo - A carreira do ginasta Ângelo Assumpção começou quando ele tinha dois anos. O menino gostava de subir no muro e pular no capô do carro - imagine o perigo e o prejuízo. Um dia, o tio José Carlos ficou encucado quando viu o menino sentar com as pernas retinhas, encostadas no chão, naquela posição que a ioga chama de flor de lótus. Viu ali um talento. Com o tempo, Ângelo descobriu que precisaria ser ainda mais flexível, esticar um pouco mais, envergar até não poder mais, só mais um pouco, para conseguir ser ginasta no Brasil.

Essa é só uma metáfora para explicar uma das encrencas em que o menino negro e pobre do bairro de AE Carvalho, na ponta da zona leste de São Paulo, acabou se enfiando. O episódio de injúria racial que ele sofreu neste mês não foi o primeiro de sua carreira. "Mas daquela forma, foi a primeira vez", disse a mãe Magali Dias Assumpção, escolhendo as palavras, depois de uma respiração bem funda.

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Durante uma fase de treinamentos em Portugal, os ginastas Arthur Nory, Henrique Flores e Fellipe Arakawa, companheiros de Ângelo, publicaram um vídeo em uma rede social em que provocam o amigo, que também aparece na tela. "Seu celular quebrou: a tela quando funciona é branca. Quando ele estraga é de que cor?", perguntou Nory, que ouve "Preto!", como resposta do grupo. "O saquinho do supermercado é branco. E o do lixo? É preto!". Constrangido, Ângelo não sabe onde enfiar a cara.

Diante da imediata repercussão negativa - o vídeo foi divulgado pelo jornal O Globo -, os ginastas correram e postaram outro vídeo, pedindo desculpas e dizendo que era brincadeira. Mesmo assim, foram afastados por 30 dias pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e perderam a bolsa. O caso está aberto.

Como diz a mãe, o episódio foi o mais o grave, mas não inédito. Em entrevistas anteriores - ele foi orientado pela CBG para evitar as entrevistas neste período, até a decisão do caso -, ele admitiu que tinha um menino que sempre o incomodava com a questão da cor. Evita dizer onde e quando.

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Dona Magali também não dá nomes aos bois. Ela prefere não situar quando os episódios ocorreram, mas deixa claro que na ginástica foi só essa vez, do vídeo. "Racismo é muito desagradável. Vamos deixar a Justiça julgar. Não foi ruim só para ele, mas para toda a população negra, ou afrodescendente, como se diz agora. É a maioria da população brasileira. A gente sempre ensinou a respeitar os outros", disse a funcionária aposentada da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

OPINIÕES FORTES - No Colégio Alexandria, escola paga do bairro onde mora, ele obedecia a mãe e não arrumava briga, mas os amigos contam que ele não gostava de perder. Nunca jogou bem futebol, nem no gol, seu negócio era pega-pega e esconde-esconde. Nas competições, queria ganhar e, às vezes, passava dos limites. Não era briguento, mas marrento. Ou de "opiniões fortes", como diz o tio. "É preciso jeito para lidar com ele", disse o motorista de ônibus da linha Jardim Ipê - AE Carvalho, também na zona leste.

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Para o Centro Olímpico da Prefeitura, foi um pulinho. Literalmente. Ia bem na maioria dos exercícios e tinha achado seu lugar no mundo. Depois de alguns meses, o professor o chamou para conversar. Era melhor ele procurar outro lugar para treinar, não desistir, mas o Centro Olímpico era mais voltado para a ginástica feminina.

O menino de sete anos procurou - ele, não, a mãe, a grande incentivadora da carreira do caçula - o Esporte Clube Pinheiros, berço de estrelas como Laís Souza e Daiane dos Santos. O menino que amassava capôs passou no teste. Era um catatauzinho como atesta a foto, guardada com carinho pelo clube onde ele começou.

Treinava três vezes por semana, das 14 às 18 horas. Tinha de cruzar a cidade, duas horas para ir e duas para voltar - pelo menos, tinha como recompensa o colo da mãe. Não, ele não tinha dinheiro para pagar a mensalidade do Pinheiros, um dos mais tradicionais de São Paulo. Ele era do grupo dos militantes, aqueles que podiam entravam no clube para o treinamento e não pagavam nada. O padrasto de Ângelo acompanhava tudo de longe. Não por problemas de relacionamento. "Eu só conheço o Pinheiros pela tevê. A gente ia até lá e o deixava na porta. Nunca entrei no clube", confessou Ananias Mendes Barbosa, auxiliar de anestesia no hospital Cachoeirinha.

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Os professores e os familiares contam que ele se encontrou na ginástica. Ângelo treinava todos os aparelhos e, só depois de formado, fez a opção para se tornar especialista no salto e no solo. "Ele sempre foi muito forte e demonstrou facilidade para aprender exercícios no solo e no salto sobre a mesa. Como tinha algumas aptidões físicas natas, ele sempre foi muito preguiçoso para fazer exercícios de preparação física. Mas como tinha uma vantagem genética, o pouco que fazia para ele era o suficiente", contou o professor Hilton Dichelli Junior, que ensina o ginasta desde a infância.

Ele passou por todas as categorias com resultados expressivos. A etapa de Osijek da Copa do Mundo de ginástica artística, na Croácia, no ano passado, foi sua estreia internacional. Foi o oitavo melhor no salto e o sexto no solo. "O importante é chegar com um bom nível na ginástica adulta", disse Hilton.

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Este ano conquistou a primeira medalha de ouro de sua carreira, em São Paulo, na etapa brasileira da Copa do Mundo. Tirou a nota de 15,025 no salto, deixando para trás o alemão Mathias Farig (14,850) e Diego Hypolito (14,837). A medalha foi ainda mais especial por ter sido conquistada ao lado do ídolo, para quem ela havia pedido autógrafo dez anos atrás. A conquista justificou um rótulo que começa a grudar: sensação da nova geração da ginástica artística brasileira.

JORNADA - O caminho, no entanto, é longo. Ele está apenas no início de sua carreira olímpica. Integra um grupo adulto de 12 atletas selecionados para realizar a preparação para os Jogos de 2016. Está concentrado no Rio, tentando elevar seu nível para que possa ser um dos integrantes da equipe olímpica. O irmão sente saudades. "Nós éramos como unha e carne. Hoje a gente conversa pelas redes sociais, mas é triste ficar separado", contou Marcos, de 23 anos, que busca um curso técnico na área de gerenciamento ou marcenaria.

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Na avaliação dos professores, Ângelo não deve voltar para casa tão cedo. "O Ângelo é novo e está vivendo seu primeiro ciclo olímpico com todo este investimento que está sendo realizado agora. Acredito que o legado deixado após a Olimpíada será ótimo para ele", disse o professor Hilton. "No próximo ciclo ele já sai na frente, com a bagagem que já adquiriu, e será uma peça fundamental para a equipe brasileira".

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