Quando o ato de criar se torna condição de sobrevivência
São Paulo - A situação se estabeleceu: uma enchente de produções afoga a saudável relação entre a necessidade artística de produzir e o surgimento de uma obra nova. Vive-se o tempo no qual o ato de criar se tornou condição de sobrevivência, agora atada à aprovação de projetos em editais. Isso tem implicações em várias outras instâncias, dentre as quais se pode destacar, por exemplo, a troca frequente de elenco, o acúmulo de funções para os responsáveis pelos projetos, a rarefação nos processos de formação profissional, etc. Com um cenário desses, não é difícil levantar hipóteses para o fato de o movimento que se autoidentifica como 'dança contemporânea' estar se transformando em um reduto cuja população não se expande como deveria.
Parece urgente ligar as formas vigentes de financiamento da produção de dança a um quadro que se torna crônico na repetição dos mesmos sintomas, dos quais o mais alarmante talvez seja a apatia dos que nele estão envolvidos.
Tendo a ver com financiamento, mas de forma tangencial, uma outra questão se apresenta: a programação do Theatro Municipal anuncia a transformação do perfil do Balé da Cidade de São Paulo. A companhia nasceu, em 1968, como Corpo de Baile Municipal, nome que explicava com clareza a sua função de ser um conjunto para montar bailados e bailar nas óperas apresentadas em sua casa, o Municipal.
Em 1981, depois de entender o anacronismo daquela primeira proposta, tornou-se o Balé da Cidade de São Paulo. De lá para cá, construiu uma sólida trajetória e um público fiel. No momento em que o seu desenvolvimento pede por mais apoio, não cabe comprometer o seu desenvolvimento artístico.
Como exemplo daquilo que rareia hoje em dia - um certo tipo de comprometimento com a dança, que não transforma dificuldade em impedimento -, cabe lembrar do Ballet Stagium que, neste ano, estreou Figuras e Vozes, com coreografia de Décio Otero e direção de Márika Gidali, seus diretores, fazendo do dadaísmo o seu tema.
Para além das premiações divulgadas, que já trouxeram para a visibilidade produções relevantes na área da dança em 2014, cabe valorizar alguns outros trabalhos, que estão destacados abaixo.
DESTAQUES
A Cozinha Performática
Um dos idealizadores do projeto, Marcos Moraes é exemplo em processos colaborativos, com destaque para Anatomia do Cavalo, solo no qual o artista revela sua potência como intérprete
Grupo Soma
Maria Eugênia Almeida e Marina Abib avançam, em A Última Estrada, no desenho de uma dramaturgia para o vocabulário que desenvolvem com esmero
J. Gar.Cia Dança Contemporânea
Juntando vigor e precisão, bailarinos esbanjaram competência na trilogia que dançaram
Festival Contemporâneo de Dança
Somando coerência com persistência, este festival vem consolidando uma outra maneira de lidar com este tipo de evento
Grua - Gentlemen de Rua
O grupo se distinguiu em 2014 pelo modo refinado com que expandem a sintonia das escutas entre eles e a utilizam como a estrutura das suas apresentações. É o caso da performance Corpos de Passagem