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Entretenimento e Cultura

Conheça a história do homem que inseriu o Espírito Santo na rota dos grandes shows nacionais

Apaixonado pelo Espírito Santo, Mário Gallerani transformou o cenário musical do Estado. O capixaba criou festivais, formou banda e construiu uma carreira digna de aplausos

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Como refrão de boa música, Gallerani conseguiu se fixar na memória dos apreciadores. Foto: Everton Nunes

Reportagem: Suellen Araújo

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“Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”. A música composta pelo Rei Roberto Carlos poderia ter sido feita em homenagem a outro ilustre capixaba: Mário Hermes Gallerani Júnior. Dono de uma história de vida que viraria versos nas mais motivadoras canções, Gallerani tem o seu nome perpetuado na história cultural do Espírito Santo. Do jovem sonhador ao produtor bem sucedido, não foram poucos os artistas que o também engenheiro mecânico, compositor, ligth designer, pai, amigo, visionário e pioneiro (ufa!) capixaba conseguiu fazer se apresentar no sonoro Estado.

Por meio de Gallerani, Gal Costa, Caetano Veloso, Legião Urbana, Capital Inicial, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso e toda miscelânea brasileira pisaram em solo capixaba – muitos, pela primeira vez.  

Com muita habilidade e talento, festivais foram criados, shows foram montados, e o Espírito Santo tocado nos mais variados ritmos. Pelas mãos do exímio musicista, muitos contratos foram assinados. O Estado, que antes era opção, virou prioridade de grandes artistas. Com persistência e muito esforço, Gallerani tornou o Espírito Santo palco principal na rota dos grandes artistas nacionais.

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Como refrão de boa música, Gallerani conseguiu se fixar na memória dos apreciadores. Inicialmente criticado, ele sacudiu a poeira e deu a volta por cima. Diferente dos hits de verão, que são esquecidos a cada estação, Gallerani tem seus feitos marcados na história do capixaba. 

Chuva ameça grandes eventos no ES

Com uma cartela de grandes artistas, os shows produzidos por Gallerani eram sempre sucesso de público. Durante um evento realizado em local aberto, Gallerani precisou de jogo de cintura para contornar um temporal que atingiu o Estado. "Realizei um festival. Uma das atrações era a banda Hanói-Hanói, muito famosa nos anos 1980. Durante o evento, fomos surpreendidos por uma chuva daquelas. Ainda consegui deixar a banda tocar, mas, depois disso, tive que cancelar o evento”, afirmou. 

Segundo Gallerani, eventos abertos exigem planejamento e um pouco de sorte. "É imprevisível. Se acontecer, ninguém vai querer ficar na chuva e você pode não vender todos os ingressos. Eu fiz um evento em Guarapari. Tive sorte. A chuva caiu em todo o Brasil, inclusive aqui no Estado. Sem entender como, nos dias de shows não caiu uma gota em Guarapari. E isso foi tão incrível que jornais de todo o Brasil noticiaram o fato. Eles brincavam dizendo que o sol passava férias em Guarapari", recorda.

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Conheça a história do homem que revolucionou o cenário musical do Estado, saiba como Gallerani driblou as dificuldades e fez os problemas virarem música, a falta de estrutura virar palco, com direito à plateia lotada e pedido de “Bis”. Mário Hermes Gallerani Júnior, o artista que inseriu o Espírito Santo na rota dos grandes artistas. 

Folha Vitória: Como o senhor iniciou na carreira artística?
Gallerani: Eu sou de uma família de artistas. Minha mãe pintava, costurava e tocava piano. Cresci em um ambiente muito rico culturalmente. Sempre fui apaixonado por música. Cresci sabendo que queria isso da vida. Eu me formei em Governador Valadares em Engenharia Mecânica. Aos 21 anos, fui passar um período na casa de um amigo, no Rio de Janeiro, lá montei uma banda chamada Salada de Frutas. Comprei um ônibus, o restante da galera adquiriu instrumentos e tudo que era necessário uma banda ter, e planejamos viajar o Brasil todo apresentando nossa banda.

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FV: E deu certo?
Gallerani: Deu enquanto durou. E esse durou foi menos de um ano. A banda acabou por alguns problemas quando paramos no estado da Bahia. Sem todos integrantes, voltei para o Espírito Santo e me tornei produtor musical, porque comprei instrumentos e outros itens da galera da banda. Já em Vitória, vi que poderia investir nessa área, até então, inexistente no Estado. 

" Eu sinto muito por não ter trazido o Cazuza. Tínhamos até uma conversa iniciada, mas infelizmente ele morreu antes"

FV: Como foi esse início? Qual o maior desafio enfrentado?
Gallerani: Eu já passei por cada uma. Quando virei produtor, minha primeira produção aconteceu durante um festival de música no colégio Salesiano, em Vitória. E olha, foi um horror. Digo isso porque eu tinha uma estrutura legal para a época, mas os músicos que se apresentaram  no dia, não. Então deu microfonia, um som ficou chiando, realmente não foi algo tão legal.

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FV: Então, podemos dizer que foi uma estreia ruim.  Foi criticado ou pensou em desistir?
Gallerani: Fiquei entristecido. Na época, um jornal publicou uma matéria enorme dizendo que o meu som tinha sido o causador dos problemas do festival. Muitos disseram que o sistema de som que implantei era coisa de burguês que não era necessário. Mas você acredita que duas semanas depois disso eu fui aplaudido no teatro Carlos Gomes?

Gallerani herdou da mãe o talento pela pintura. Um quadro enigmático produzido através das talentosas mãos Foto: Everton Nunes

FV: Conta sobre isso? 
Gallerani: 

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Eu estava trabalhando como engenheiro e o secretário de Cultura me ligou. Ia ter uma apresentação de Hermeto Pascoal e o som dos caras deu problema. Me ligaram e eu fui faltando pouco tempo para a apresentação. Por fim, consegui ajustar o som e deu tudo certo. Até hoje o local destinado para o som no Carlos Gomes existe e foi uma indicação minha. Mas voltando, na apresentação, Pascoal perguntou quem tinha consertado o som e disseram que tinha sido eu. Ele imediatamente pediu uma salva de palmas para mim. E uma coisa eu quero dizer: no final do show, quando fui cumprimetá-lo pela apresentação, ele me elogiou novamente e eu vi que tinha outro homem próximo dele. Sabe quem era? O jornalista que falou do meu som no festival. Graças a esse episódio ele me entrevistou e eu pude explicar o porquê do som ter ficado ruim no festival.

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FV: E os famosos? Como o senhor conseguiu trazer tanta gente boa e importante para o Estado?
Gallerani: Com o fim do Salada de Frutas, retornei ao Espírito Santo. Me restou da banda aparelhos e instrumentos. Eu comecei a observar que grandes artistas se apresentavam no Canecão, no Rio de Janeiro, toda sexta, sábado e domingo. Eu vi que aqui em Vitória não tínhamos shows. Fiz amizade com produtor que produzia festivais. Com isso, tive a ideia de trazer os artistas nacionais para se apresentar no ginásio Dom Bosco.

"Eu estava no início da minha carreira de produtor e trouxe o show de gays. Foi um escândalo total. O capixaba é muito conservador. 

Fv: Qual foi o primeiro artista a se apresentar no Estado com a sua intervenção?  
Gallerani: Foi em 1981, no Dom Bosco. Trouxe a Elba Ramalho e o ginásio lotou. Nem tudo foi tão fácil. Eu fiz logo em seguida uma produção do primeiro musical gay. Eu estava no início da minha carreira de produtor e trouxe o show de gays. Foi um escândalo total. O capixaba é muito conservador. 

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FV: Existe alguma história que o senhor se lembre com carinho, que seja inesquecível:
Gallerani: Com certeza. Foram muitas experiências. Eu me lembro de uma que é impecável, coisa do destino mesmo. Eu tinha um sócio. Certa vez fui para São Mateus e quando retornei esse sócio disse que não tínhamos mais ligação profissional. O cara rompeu sem me avisar. Como sócio, ele sabia que eu queria muito trazer o Caetano Veloso para tocar aqui. Descobri que ele sozinha, sem me falar nada, tinha acertado tudo para ter Caetano aqui. Alguns dias depois, a empresária de Caetano, voltando da Bahia, sofreu um acidente em São Mateus. Um amigo em comum me ligou avisando do acidente e eu dei todo suporte para essa empresária. Ela ficou alguns dias na minha casa e o resultado não foi outro: eu consegui trazer o show do Caetano para os capixabas. 

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"Acredito que vivemos três vezes na vida: uma de fato, outra quando contamos nossa história e a terceira quando somos lembrados por quem admira nossos feitos ou compartilhou nossas histórias..."

Fv: Tem uma história com a Rita Lee também. Pode contar?
Gallerani:

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Tem mesmo. Eu fui contratar a Rita Lee. Quando fiz contato com o empresário dela, ele desabafou e disse que desconfiava que estava sendo traído por ela. Ele me pediu um favor. Queria que eu descobrisse se isso era verdade. Eu fiz contato com ela e imediatamente descobri que ela já tinha outro empresário. Voltei no empresário traído e contei toda verdade. Ele ficou uma arara, rompeu definitivamente com ela e tirou todos os músicos da banda. Isso impediu a Rita Lee de realizar a turnê dela. A roqueira ficou mais de um ano sem realizar shows. Como agradecimento, o empresário traído criou uma banda chama “Rádio Táxi” com os músicos da Rita e me deu de graça para tocar no festival realizado em Guarapari.

FV: Teve algum artista que deixou aquela frustração por não ter tocado no Estado?
Gallerani:

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Sim. Eu sinto muito por não ter trazido o Cazuza. Tínhamos até uma conversa iniciada, mas infelizmente ele morreu antes. O Cazuza era uma cara que eu gostaria muito de ter produzido. 

Fv: O senhor teve um encontro com Nelson Mandela. Foi um dos momentos mais especiais de sua vida?
Gallerani: Com certeza. Meu Deus! Eu tinha uma banda. Além de produzir o evento do Mandela em Vitória, eu também iria tocar no local. Eu sou brancão, olhos azuis. O Movimento Negro não me queria lá. Bati o pé e acabei conseguindo convencendo a galera. Quando Mandela desembarcou no Estádio da Desportiva, ele subiu ao palco e me viu. Imediatamente ele apertou a minha mão e ficou olhando dentro dos meus olhos por quase meio minuto. Foi uma sensação única. Era como se ele quisesse gritar ao mundo: todos nós somos iguais. 

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"Quando Mandela (...) subiu ao palco (...) imediatamente apertou a minha mão e ficou olhando dentro dos meus olhos por quase meio minuto. Foi uma sensação única. Era como se ele quisesse gritar ao mundo: todos nós somos iguais"

FV: Foram muitos anos como produtor. Quando acabou e o que motivou o fim de sua carreira? 
Gallerani: Com o passar dos anos, tudo ficou mais complicado. A televisão começou a transmitir os artistas todos os dias. A magia acabou. Aqui no Estado não existe mais produtor. O que existe são organizadores de shows. O risco de bancar um artista é muito grande e o lucro muito pouco. Minha última tentativa foi em 1998. Trouxe o Gabriel,O Pensador. O cara tocou em Vila Velha e foi um fiasco. Ali percebi que tinha chegado a hora final como produtor. 

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FV: E foi triste? Como conseguiu enfrentar o momento?
Gallerani: Eu fiquei durante nove meses viajando pelo Espírito Santo. Tentei encontrar um motivo. Foi nessa viagem que me reencontrei. Vi que a minha história de vida não tinha acabado. Com a minha experiência profissional, contatos e equipamentos, resolvi montar a minha empresa de iluminação. Hoje tenho a Gallerani Jr Iluminações e sou muito realizado. Consegui ganhar prêmios e sou reconhecido no meio. 

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