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Jodorowsky fala do filme 'Poesia Sem Fim' e de sua relação com a magia

Estadão Conteudo

Redação Folha Vitória
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São Paulo - Aos 87 anos, o chileno Alejandro Jodorowsky ainda surpreende. Dramaturgo, cineasta, compositor, mímico, psicoterapeuta, autor de quadrinhos, graphic novels e de livros sobre espiritualidade e tarô, ele não vive da glória e, para rodar seu mais recente longa, "Poesia Sem Fim", ficou choramingando pela falta de investidores: abriu um projeto no Crowdfunding (a vaquinha feita pela internet) e logo conseguiu US$ 400 mil em doações para dar início às filmagens. "Poesia Sem Fim" será um dos destaques da 40.ª Mostra de Cinema, que começa dia 19 de outubro.

Até lá, outro trabalho de Jodorowsky já pode ser degustado, com a chegada de "A Jornada Espiritual de um Mestre" (Gryphus), livro de memórias em que o artista conta como a espiritualidade e o cinema aprimoraram sua sensibilidade. Por esse texto, é possível notar como a contracultura sempre foi o caminho preferido de Jodorowsky - o trabalho, aliás, inaugurou a moda das sessões de cinema à meia-noite, para públicos segmentados. Em 1970, seu filme "El Topo" chamou atenção de John Lennon, interessado na originalidade daquele faroeste surreal. O Beatle ajudou a consagrar internacionalmente o trabalho do chileno, que já exibia um senhor currículo, como a parceria com o mímico francês Marcel Marceau, além de ter feito teatro com o espanhol Fernando Arrabal, criando o Movimento Pânico, e de ter escrito o texto de quadrinhos ilustrados por Moebius. Cultor da magia e do oculto, Jodorowsky respondeu às seguintes questões.

Como está a busca pelo essencial?

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Minha vida não é longa, 87 anos é uma pequena parte, pois o cérebro humano ainda está em formação. O normal é viver pelo menos 150 anos. Com grande dificuldade, nos desfazemos dos preconceitos que nos são incutidos pela família, sociedade e a cultura histórica. Com trabalho, vamos nos desprendendo da ansiedade material de possuir sem perder. Vencido isto, não podendo lutar contra o inevitável, aceitamos que nossa meta é a morte. Então, com prazer um tanto melancólico, nos libertamos lentamente da fama, da riqueza, do sexo, de nós mesmos, e nos transformamos em uma mariposa resplandecente.

No livro, o senhor conta como foi uma senhora, Pachita, que o inspirou a inventar a psicomagia. E, pela pintora Leonora Carrington, conheceu o tarô.

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Há uma área espiritual em que a linguagem das palavras, embora se apresente como sendo a realidade, não é a realidade. As palavras indicam o árduo caminho que leva até ela, mas são apenas sons, nunca a Verdade. Pachita e Leonora não pensavam, agiam diretamente: a primeira me abriu o ventre com uma faca e me arrancou, sem anestesia, um tumor no fígado. A segunda atravessou com os raios da sua intuição o meu coração, e me transmitiu, sem abrir a boca, num tremendo silêncio, os segredos do Tarô de Marselha. Quando encontrei Pachita, eu tinha 35 anos e ela, 90. Imediatamente, a "bruxa" fez aparecer na palma da sua mão um anel de casamento que colocou sem esforço em meu dedo anular: uma espécie de matrimônio. E Leonora me ofereceu um chá verde, ao mesmo tempo que, com uma colherinha, raspou a crosta de uma ferida e encheu a colher com o sangue, que dissolveu na infusão que estava prestes a beber. Bebi todo esse chá verde: comunhão sagrada. Com esses atos maravilhosos, que me importa o blá-blá-blá vazio dos grandes intelectuais?

O senhor passou 20 anos sem realizar filmes e, quando retomou, foi para contar a história da sua vida. Por quê?

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Conto a história de minha vida porque sou um ser humano com pensamentos, sentimentos, desejos e necessidades, com uma parte consciente, pequena, e outra inconsciente imensa. Vivendo em um personagem meio artificial, criado pelas circunstâncias sociais, não me conheço por inteiro, nunca poderei me conhecer. Cada um de nós está tão longe da sua totalidade do mesmo modo que estamos distantes dos limites do universo. A história da minha vida é simplesmente a história da humanidade: em cada cérebro, está inscrita a humanidade inteira. Um verdadeiro poeta luta para unir sua vida interior à vida exterior, logrando assim a unidade sagrada. Enfim, tenho vontade de te responder desse modo: "não contei a história de minha vida, mas a história da sua vida".

Por que financiou "Poesia Sem Fim" pelo crowdfunding?

O cinema, desde o início, foi considerado um negócio. Arte que nunca procurou ser uma boa arte, mas agradar o máximo possível. A finalidade do cinema foi ganhar milhões de dólares. Uma coisa tão monstruosa - como dizer, no caso da poesia, "indústria poética". Pensando não na obra, mas no resultado econômico, os produtores escravizaram as musas. Como eu, mísero poeta, que não pensa em dólares, mas em versos, irá conseguir que produtores, estrelas prostituídas, distribuidores ladrões e técnicos escravos se interessem em trabalhar de graça? Durante 20 anos, estive lutando, mendigando, suplicando e me humilhando para conseguir dinheiro para transformar meus sonhos em filmes. Cansado de tantas negativas ("não, não é comercial"), passei 20 anos reunindo o que rodei com a câmera. Depois, esperando que a juventude não seja formada somente por idiotas infantilóides e consumidores, mas por espíritos novos que aspiram alimentar seu coração com ideais sublimes por meio de uma arte honesta, converti-me num mendigo sagrado e inaugurei o crowdfunding. Dez mil pessoas colaboraram. Assim, pude ser o senhor da minha obra e criar com total liberdade, sem me preocupar em agradar ou não, mas comunicar sentimentos que enaltecem o ser humano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A JORNADA ESPIRITUAL DE UM MESTRE

Autor: Alejandro Jodorowsky

Tradução: Gilson B. Soares

Editora: Gryphus (280 págs., R$ 44,90)

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