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Entretenimento e Cultura

Mercado editorial reage à reforma tributária: 'Cidadão será prejudicado'

Para o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares, o efeito será o aumento do preço do livro

Estadão Conteúdo

Redação Folha Vitória
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Foto: Reprodução/Pexels
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Em reação ao projeto de reforma tributária proposto pelo Ministério da Economia, que abriu uma brecha legal para o retorno da tributação de livros, o mercado editorial se mobilizou para lançar, nesta quarta-feira, 5, o manifesto Em Defesa do Livro.

O documento, assinado pela Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e outras entidades do mercado editorial, relembra a história da isenção de impostos aos livros e afirma que "está na tradição da formulação das leis brasileiras e na história das decisões jurídicas, bem fundamentadas e analisadas em vários períodos diferentes da nossa história, que o livro é disseminador de conhecimento em lato senso, e que deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira."

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O livro é um produto isento de impostos desde a Constituição de 1946, proteção que foi mantida pela atual carta, de 1988. Em 2004, o mercado editorial foi desonerado também do PIS e Cofins, que, pela proposta do governo, seria substituído pela Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que tornaria os livros sujeitos à tributação mais uma vez, sob alíquota de 12%.

Os efeitos dessa proposta, de acordo com Marcos da Veiga Pereira, presidente do Snel, são claros: "Seria desastroso para a indústria, um retrocesso grande". Para ele, a isenção de impostos para livros "não deveria ser questionável" em qualquer hipótese. "É uma conquista de quase 75 anos. Caímos em um casuísmo ou uma tecnicalidade, que é o fato de você ter uma contribuição, e não um imposto, sendo que a base de tributação é mesma, a venda de livros."

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Para o presidente da Câmara Brasileira do Livro, Vitor Tavares, o efeito será o aumento do preço do livro. "Se a proposta for aprovada do jeito que está, o efeito para o mercado editorial, desde a produção do papel até chegar ao leitor final, é que o preço do livro provavelmente será majorado. Somos um país com carência tremenda de difusão de cultura e conhecimento por meio do livro, e isso vai ficar ainda mais difícil. Empresas como editoras e livrarias, que já estão em dificuldade, vão passar por situações ainda mais complicadas. O livro é um produto tão importante para uma sociedade que se diz moderna e democrática que tem que ficar imune [à tributação]"

Tavares acredita que a medida é preocupante não apenas para o mercado livreiro, mas "o cidadão será prejudicado enormemente", uma vez que, como lembra Tavares, o próprio governo é responsável pela aquisição de 49% da produção de livros didáticos, e o aumento no valor dessas obras obrigaria o poder público a gastar mais com recursos provenientes do contribuinte, ou a comprar menos, dificultando o acesso à educação para a parcela mais carente da população.

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Caso a reforma seja aprovada sem uma emenda que isente o livro, o preço não seria simplesmente acrescido de 12%, como explica Pereira. "Uma despesa muito relevante do mercado editorial é o direito autoral, sobre o qual não incide hoje PIS/Cofins, e não está claro como isso seria tratado na CBS. Outra questão é o salário que, apesar de não ter um impacto tão grande para editores, ainda assim é preciso saber se virá uma desoneração da folha. A indústria do livro trabalha muito com prestadores de serviço terceirizado, como tradutores e revisores, que, em sua maior parte, são empresas tributadas pelo Simples. O cálculo precisaria levar em conta esses elementos."

Pereira afirma que já se calculou que a CBS representaria cerca de 60% do lucro bruto de uma editora e 50% do lucro de uma livraria. "Não é só o preço da editora. Apesar de o imposto não ser cumulativo, ele impacta cada elo da indústria", acrescenta o presidente do Snel.

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A contribuição incidiria também sobre os livros eletrônicos e dispositivos de leitura digital, uma vez que, após uma decisão do STF em 2017, esses produtos tiveram isenção equiparada à de livros impressos. "O entendimento que o próprio STF reconheceu é que o livro é o conteúdo, não o formato", informa Pereira.

Apesar de uma alta de 6% no ano passado, o mercado editorial encolheu 20% entre 2006 e 2019 de acordo com a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, coordenada pela CBL e pelo Snel e apurada pela Nielsen Book.

Ainda não houve contato oficial entre as entidades que assinaram o manifesto e o Ministério da Economia, mas já há reuniões marcadas com parlamentares e líderes de bancadas para sensibilizá-los para a necessidade da manutenção da isenção de impostos para o livro, e Tavares está confiante: "Grande parte dos legisladores e da sociedade civil é simpática ao produto livro, entendem esse vetor de difusão de cultura".

Leia a íntegra do manifesto Em Defesa do Livro:

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"Em virtude do projeto de reforma tributária proposto pelo Ministério da Economia, ora em tramitação no Congresso Nacional, as entidades representativas do livro no Brasil, signatárias deste Manifesto, consideram urgentes e necessárias as seguintes ponderações:

1. A Constituição Democrática de 1946 consagrou no país o regime de isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. Inspirada na luta de intelectuais, editores e escritores, a emenda constitucional foi apresentada pelo autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado.

Por um lado, a isenção visava tornar o papel acessível às mais diferentes vozes no debate das questões nacionais, garantindo o suporte material para a livre manifestação de opiniões; por outro, barateava o produto final, permitindo que o livro e a imprensa pudessem chegar às camadas mais amplas da população, em um país onde o analfabetismo era, infelizmente, a regra e não a exceção.

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A mudança constitucional possibilitou a criação e o desenvolvimento das bibliotecas públicas no país, beneficiando as pessoas de menor poder aquisitivo e permitindo que o mercado editorial passasse a ter condições de publicar obras de alto valor intelectual e pedagógico, muitas delas sem apelo comercial, a custos compatíveis com o poder aquisitivo do leitor médio. Não há dúvidas de que a popularização do livro teve, e ainda tem, papel fundamental no aumento da educação do brasileiro.

2. De tal forma se enraizou no espírito da sociedade brasileira o apego à importância da leitura como fonte de educação e crescimento intelectual, de formação de cidadãs e cidadãos, de difusão da cultura e da informação qualificada, que a reforma de 1967 não só preservou o "espírito imunitário" da Constituição, como o ampliou, estendendo a isenção ao próprio objeto: o livro.

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A Constituição Cidadã de 1988 não poderia fazer diferente e consolidou a reiterada jurisprudência que isenta o livro, ferramenta básica de conhecimento, educação e cidadania, de impostos. A atual Carta Magna diz, em seu artigo 150, que é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criarem impostos de qualquer natureza sobre o livro e a imprensa escrita.

3. No entanto, dada a complexidade da legislação tributária brasileira, foram criadas ao longo dos anos contribuições sociais, como PIS e COFINS, incidindo sobre a receita das empresas. Uma vez que os livros não são imunes das contribuições, a Lei nº 10.865 de 30 de abril de 2004 reduziu a zero a alíquota do PIS e da COFINS nas vendas de livros, em reconhecimento da importância deste bem para a sociedade.

Isso permitiu uma redução imediata do preço dos livros nos anos seguintes: entre 2006 e 2011, o valor médio diminuiu 33%, com um crescimento de 90 milhões de exemplares vendidos. Os fatos demonstram claramente a correlação entre crescimento econômico, melhoria da escolaridade e aumento da acessibilidade do livro no país.

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A imunidade tributária está presente em vários países do mundo. Um relatório da International Publishers Association (IPA) de 2018 argumenta que o livro não é uma commodity como qualquer outra: é um ativo estratégico para a economia criativa, que facilita a mobilidade social assim como o crescimento pessoal e traz a médio prazo benefícios sociais, culturais e econômicos para a sociedade. Qualquer aumento no custo, por menor que seja, afeta o consumo e, em consequência, os investimentos em novos títulos. A imunidade é uma forma de encorajar a leitura e promover os benefícios de uma educação de longo prazo.

Recentemente, em abril do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, reconheceu por meio da Proposta de Súmula Vinculante 132, que o direito à isenção tributária do livro se estendia também aos leitores eletrônicos. Enfim, está na tradição da formulação das leis brasileiras e na história das decisões jurídicas, bem fundamentadas e analisadas em vários períodos diferentes da nossa história, que o livro é disseminador de conhecimento em lato senso, e que deve contribuir para o combate à desigualdade de formação da população brasileira.

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4. O escritor e editor Monteiro Lobato cunhou a famosa frase "um país se faz com homens e livros"; anos depois, o editor José Olympio acrescentou: "...e ideias". Ai do país que se torna um deserto de homens, livros e ideias. Queimado em praça pública sempre que a intolerância triunfa, o livro resistiu aos séculos e atravessou as crises tendo a sua significação para a humanidade renovada e fortalecida.

Aliás, existe alguma prova mais eloquente da importância do livro para as vidas humanas do que as estantes cheias de obras, tal como vemos na televisão e nas telas dos computadores e celulares, nesse momento de isolamento social? Os livros estão ali, às costas das pessoas como as asas de um anjo, significando proteção, sabedoria, compartilhamento de ideias e imaginário, reafirmando nossa fé na humanidade. O amor ao livro renasceu na pandemia.

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É fácil calcular o quanto o governo poderá arrecadar com a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), proposta em regime de urgência ao Congresso. Muito mais difícil é avaliar o que uma Nação perde ao taxar o bem comum da formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos. Em perspectiva histórica, o dinheiro arrecadado à cultura, aos livros e à formação científica significa, de fato, um desinvestimento no crescimento futuro do país - que não se dará sem o crescimento intelectual amplo e igualitário de sua população.

5. As instituições ligadas ao livro estão plenamente conscientes da necessidade da reforma e simplificação tributárias no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros - inevitável diante da tributação inexistente até hoje - que se resolverá a questão. Menos livros em circulação significa mais elitismo no conhecimento e mais desigualdade de oportunidades no país das desigualdades conhecidas, mas pouco combatidas.

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O Brasil foi o último país a acabar com a escravidão e um dos últimos a permitir a impressão e a circulação de livros e da imprensa, duas marcas negativas na nossa História que até hoje não conseguimos superar. Poucos se dão conta que o mercado nacional de livros tem menos de 200 anos. Enquanto em Paris, no Século das Luzes, lia-se Diderot e Voltaire, enquanto na Alemanha se lia Goethe, na Espanha o Dom Quixote tornava-se leitura popular, em Londres, ilustrava-se com os trabalhos de David Hume, nos Estados Unidos podiase formar o conceito de uma grande Nação nos escritos de homens públicos da estatura de Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, no Brasil, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um autodidata, articulava sua conjuração carregando um exemplar surrado e contrabandeado do "Compêndio das leis constitutivas das colônias inglesas confederadas sob a denominação de Estados Unidos da América" - em francês.

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Ainda não se descobriu nada mais barato, ágil e eficiente do que a palavra impressa - em papel ou telas digitais - para se divulgar as ideias, para se contar a história da humanidade, para multiplicar as vozes da diversidade, para denunciar as injustiças, para se prever as mudanças futuras e para ser o complemento ideal da liberdade de expressão.


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