Théâtre du Soleil traz ensinamentos de seus 50 anos
São Paulo - Ao olhar para o vão central que deixa a luz natural (de um dia nublado) iluminar o saguão do hotel Maksoud Plaza, na região da avenida Paulista, Ariane Mnouchkine reclama: "o prédio é magnífico, mas está escuro, triste". Não está acostumada com a escuridão há pelo menos 50 anos: desde 1964, vive da luz do seu Théâtre du Soleil, uma das companhias mais importantes do mundo.
Ariane e parte de sua trupe - incluindo a atriz brasileira Juliana Carneiro da Cunha, que integra o Soleil há mais de 20 anos - estão em São Paulo com o Être au Soliel (Estar no Soleil), projeto de Érika Bodstein e Valdir Rivaben que oferece workshops, aula magna e debates com os ideais da trupe francesa. Em entrevista exclusiva ao Estado, diretora e atriz falaram sobre a história do Soleil e os pensamentos do grupo.
Quando você, Ariane, criou o grupo, imaginava que ele teria o sucesso que tem hoje?
Sucesso não é a palavra. A palavra é felicidade. O sucesso ajuda na felicidade, mas ele sozinho não é suficiente. Eu sempre disse que criaríamos o Théâtre du Soleil para sermos felizes. Acho tivemos, temos e espero que tenhamos momentos extremamente felizes. E a felicidade não é intacta. Houve momentos de tristeza, de crise. Mas tudo foi uma luta pela felicidade. E o sucesso nos permitiu sobreviver.
O Soleil foi fundado em 1964, antes do maio de 1968, mês de transformações na França. O grupo foi um presságio do que viria? Ariane - Sim, claro. É interessante falar em presságio, profecia. Nós nascemos quatro anos antes, mas oito anos antes nós já tínhamos vontade de fazer isso. Não foi presságio: fizemos parte das premissas de maio de 1968.
Juliana - E a primeira peça do grupo tem a ver com isso. Foi Os Pequenos Burgueses, de (Máximo) Gorki, com a ideologia da época, de maio de 1968 que chega logo depois.
Ariane - Mas eu acho que fizemos Os Pequenos Burgueses porque éramos todos pequenos burgueses. Era como se fosse um autorretrato (risos).
Desde sua fundação, o Soleil funciona como uma cooperativa. Há uma filosofia de compartilhar: todos os salários são iguais, por exemplo. Quais são as vantagens desta ideologia para o grupo?
Ariane - Somos uma Sociedade Cooperativa Aberta de Produção. Era uma forma de montar uma sociedade como outra, mas com uma gestão muito mais coletiva. A igualdade nos salários não é justa, mas é a forma menos injusta. É como dizer que a democracia não é boa, mas é o menos pior dos sistemas. Sinceramente, acho que se não tivéssemos mantido a igualdade de salários, a coletividade nas decisões importantes, não existiríamos mais. Isso porque não teríamos sido tão felizes, não nos confiaríamos.
Juliana - Eu tenho a impressão de isso mantém a nossa juventude. Quando a gente é jovem e começa a querer entrar em um grupo de teatro, a gente quer todo mundo dividindo tudo. Depois a gente envelhece e quer mais conforto, perde o entusiasmo, fica mais pesado, mais sentado. Esse fator tão único de ter o mesmo salário mantém um espírito de luta, de aventura, de compartilhamento.
Ariane - Aliás, você disse a palavra "ideologia". Eu reivindico um tema que é muito mal visto pelos ideólogos, que é a palavra "idealismo". O idealismo se vê no concreto e a ideologia, na teoria. Na frente do nosso prédio, como em todos os prédios públicos franceses, colocamos "liberdade, igualdade, fraternidade". Não podemos esquecer que este é o projeto. Alguém disse algo de que gosto muito: a liberdade como base, a igualdade como meio e a fraternidade como fim.
Outra das ideias do Soleil é sobre a condição humana. Isso se vê nos espetáculos, mas também em ações, como quando vocês preparam comida para o público. Neste contexto, Ariane, qual é o papel do teatro?
Paris é uma cidade dolorosa. Para nos ver, as pessoas pegam metrô depois do trabalho. Estão cansados, nervosos. Mas, neste tempo da chegada do público até o início do espetáculo, eles não precisam estar nervosos ou cansados. Eles estão num lugar onde são desejados e vão passar por um momento delicioso. É aí que damos todos os sinais possíveis de ternura e respeito. Vendemos comida a um preço não muito alto. Uma comida boa, que seja feita para a saúde do público, para o sabor. O teatro não é só um produto. O dinheiro circula porque precisamos de sustento. Mas o espetáculo não é vendido, ele é compartilhado.
O grupo acabou de terminar uma temporada de 'Macbeth' em Paris. A peça vem ao Brasil?
Eu espero muito sinceramente. Depende do Sesc, com quem temos uma relação bem amigável e profissionalmente fiel. São 40 pessoas em cena, é um espetáculo grande, que demanda muito. Sei que, se for possível, eles nos convidarão. Vamos ver.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.