Caso Leo Lins e vídeos do ES: piada tem que fazer rir, não maldar
Opinião da Coluna Pedro Permuy: que a comédia é livre não se discute. Muito menos se piada deve ser censurada ou não. E é claro que a arte é, também, transgressora. Mas limite do humor tem que ser a Constituição
Quando uma pessoa questiona e pede a explicação de uma piada é ruim. Pior é quando essa pessoa entende tão bem a história que se sente ofendida ou atingida de alguma forma. A reação ao humor pode ir de uma sacada homérica ao fracasso fatal daqui para ali.
Quem dita isso é o bom senso do artista e o diálogo que existe com o público (sem aquela de “Sou responsável pelo que digo, não pelo que os outros entendem”, porque se comunicar é se fazer compreender bem).
A comédia é livre, sim; opinião todo mundo deve ter também; e ser a favor de quaisquer tipos de censura, hoje, é - no mínimo! - absurdo. Mas a piada tem que fazer rir, não maldar; e o limite do humor tem que ser a Constituição. E não é só a Coluna Pedro Permuy, que não é boba nem nada, que defende essa máxima: é o Judiciário do Brasil que a endossa quando proíbe Leo Lins, por exemplo, de debochar de “categorias consideradas minorias ou vulneráveis”, como descreve texto do Tribunal de Justiça de São Paulo, comarca que tomou decisão contra o humorista no início deste ano.
Reconhecido e de talento inquestionável (isso não está em jogo), Lins só erra neste 2023 ao dar murro em ponta de faca.
Em vídeos que circulam nesta semana na internet, como o Folha Vitória noticiou nesta quarta-feira (14), o famoso, ele mesmo, revive fantasmas do passado que parece ter esquecido.
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Ao brincar com situações de cidades do Espírito Santo - citando homicídios da Serra como forma de controle populacional, enchentes “tradicionais” de Vila Velha e, aqui o pior, falar de “Terço dos Homens” do Convento da Penha com referência a deficientes que só teriam “um terço” do corpo -, há de se convir que se repete a gafe de querer provocar risos à base de ridicularizar deficientes.
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Em outro trecho das gravações, em que diz que a Terceira Ponte, que liga a Vitória a Vila Velha, só não é maior que a ponte de safena que “uma gorda” tem que ter (para não morrer do coração), torna a ressuscitar polêmica da gordofobia, como quando fez com a dançarina Thais Carla, mais recentemente, e acabou já se dando mal.
UMA NOTA
Longe de esses pontos serem motivo de qualquer juízo de valor, porque não devem. Também sem essa da música de uma nota só, o “Mi, Mi, Mi” (o “Samba de Uma Nota Só” a gente deixa com Tom Jobim).
Mas é que o “lado B” desse tipo de humor é tão complexo que o melhor a se fazer é não dar palco para esse tipo de assunto. Em um eventual lapso, os holofotes saem do artista do espetáculo, de onde não devem sair, e iluminam “só” a opinião pública. Os tribunais da internet. Estes, cruéis, podem envergar, mas não quebrar, uma reputação. Mas podem, também, fazer o barraco desabar de vez, como cantaria Jorge Aragão.
DÓ MAIOR
Deixando a música fora dessa, com a palavra, humoristas do País todo vêm se pronunciando sobre esse tipo de situação.
“O humor transgressor não pode ser criminoso”, já disse Gustavo Mendes. “Dentro da lei pode-se fazer piada com tudo. Não gostar de uma piada não te dá o direito de impedir ela de existir. Ainda mais previamente”, opina Fábio Porchat.
"Se utilizam de um argumento de subterfúgio muito bonito para a população ficar 'Nossa, eles estão protegendo as minorias'. E, no fundo, não. Estão vendo brechas na lei para proibir pessoas que não importam politicamente em um jogo que está acontecendo", contrapõe, com bom ponto de vista de discurso, Maurício Meirelles.
AFINAL, POR QUÊ?
Em suma: o X da questão não é não fazer, senão de que forma fazer. E mais importante que isso, provocar nos fãs e internautas que, diga-se de passagem, parecem entender de tudo e mais um pouco, debates que enriqueçam o abecedário do humor sem a chatice da implicância com tudo (para não dizer “politicamente correto”, com muitas aspas), mas também com o pé no freio nas bizarrices e atrocidades.
Sem contra-argumentos, fato é que o convite que polêmicas como essa fazem é o de refletir. E tão importante quanto a reflexão é o proveito que se vai tirar da situação toda, afinal, o ataque pelo ataque não pode valer também. Nem de um lado. E nem de outro. Mas:
1.Vamos criticar “X” ou “Y” em detrimento de “Z” ou “W”? Ou a lei (da Constituição e dos tribunais da internet) vale para todos?pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_06
2. É fácil apontar dedos e condenar. Mas quem é que cancela alguém? Esse poder existe? Quem cancela, por acaso, é quem consome esse conteúdo ou produto para ter essa propriedade de dizer o que pode ou não?
3. Em se tratando de humor, será limite determinante para nortear a categoria? A música é instrumento de resistência, de combate… Mas aí pode?
4. Proibir ou tentar regular uma piada ou um tipo de comédia não é censura? A censura, por si só, não abre precedente para outras demandas no reino da comunicação e artístico?
5. Pesa (ou deveria pesar) mais a empatia ou o respeito? Seja do público para o artista ou o contrário? Quem foi que disse que a intenção do humorista não era essa, independentemente de ser duvidosa ou não (se não ilegal, é claro)?
Se fosse um Discovery da vida, ok. Mas é comédia. São menos “porquês” e mais risos.
Leo Lins não é um santo, como quem o aplaude muito menos. Quem desaplaude também não está longe, não. Mesmo também não sendo conto de fadas ou uma fábula qualquer, a lição de moral é clara: o peso do respeito tem que balançar o mesmo tanto de um lado e do outro.
E fim.