Livro mescla horror psicológico e o submundo dos anos 90
Escritor mineiro Tiago Santos-Vieira lança terceira obra de terror psicológico, seguindo "Elos do Mau Agouro" (2015) e "Dança das Bestas" (2019)
A literatura de Tiago Santos-Vieira, normalmente, não é para pessoas fracas de coração ou estômago. Mas em sua terceira obra, Rito dos Coelhos, o autor mineiro, conhecido por sua narrativa envolvente e explícita, acrescenta algumas pitadas de antiácido para ajudar com a digestão.
O livro mescla o terror psicológico dos anos 1970, 80 (e daí para frente...) com porções bem distribuídas de diversão e uma inédita leveza, que faz com que o Rito flerte com o pop.
Na obra, o autor mescla o imaginário popular com o submundo artístico dos anos 1990. Cantores sertanejos que se perdem em um turbilhão de drogas. Personalidades de TV chantageadas - a sarjeta e as tentativas de reabilitação dão o compasso de um tango macabro.
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O livro segue "Elos do Mau Agouro" (2015) e "Dança das Bestas" (2019), não como uma sequência lógica, mas como um universo complementar, onde as três obras se entrelaçam.
No horror, o mineiro leva à questão: o que realmente te dá medo? Um espectro que arrasta correntes pelos corredores, um diabo de chifres e cauda pontiaguda, ou um passado difícil de ignorar? Uma vez que as escolhas podem ter as consequências mais assombrosas: seja cicatrizes mentais ou as cascas de feridas em membros arrancados.
Apesar de todo o sangue e mutilação, o escritor também é capaz de demonstrar ternura: em outra obra, "As Aventuras do Super Careca", se une à família para fortalecer e celebrar a vida de um primo, ainda criança, que enfrentava uma doença desafiadora.
Acho que a linguagem nasceu naturalmente amarrada com o enredo, no tempo e espaço, se compararmos as três obras. Elos do Mau Agouro se passa num período mais remoto, talvez por isso tenha toques eruditos nas letras.
Dança das Bestas se aproxima da nossa época, nascendo com uma linguagem de transição. Já Rito dos Coelhos é sobre os anos 90, que foram ontem, e é um período POP por excelência. Quando terminei Rito, vi que o texto foi espontaneamente e beneficamente contaminado pela década de 90.
Faço muita questão disso, mas realmente não é fácil, porque escrevemos com uma âncora amarrada no pé. A cada capítulo que término preciso voltar aos outros livros, verificando o link com a história central que amarra todas as obras.
O grau de dificuldade aumenta muito, porque não são continuações, são livros complementares. Então as obras precisam se conectar e manter a independência ao mesmo tempo, de forma que você possa ler qualquer uma em separado, na ordem desejada. Resumindo: não é uma trilogia, são apenas livros no mesmo universo.
Agora, porque me meto a besta de fazer algo que me é tão custoso? Pela satisfação de receber comentários dos leitores do tipo: “nossa, então quer dizer que isso neste livro novo, tem relação com aquilo do livro anterior?!”. Eu adoro esses feedbacks!
Como você se descobriu escritor? É jornalista, gosta de contar histórias reais, como nasceu este gosto pela ficção?
Deve ser porque sou um mentiroso por excelência e isso não cabe no jornalismo. Brincadeira! Talvez seja porque fui influenciado pelo jornalismo literário, new journalism, que são vertentes íntimas dos livros, da ficção.
E porque os editores sempre cortavam o nariz de cera das minhas matérias (risos)... Então resolvi contar eu minhas próprias histórias – que não deixam de ser noticiosas, passando informações verdadeiras, ainda que carregadas nas tintas das fábulas.
O que te inspira e escrever? Não necessariamente outras obras literárias, mas há inspiração em obras de arte, músicas? No mundo em si, paisagens que aguçam a imaginação?
Minhas obras são descaradamente baseadas no cinema, tanto nos temas, quando na estruturação do texto. Faço o leitor criar filmes mentais facilmente, levando pra cabeça a imagética das ações dos personagens.
Sem falar que escrevo sempre com uma trilha sonora na mente. Tanto que em Rito dos Coelhos tirei isso do campo das ideias, colocando ao final de cada capítulo uma indicação de música e comentários explicando sua ligação com a história. Olha que moderno: no livro temos imagens que podem ser escaneadas com o celular, te levando para trilha sonora do livro no Spotify.
Sobre o terror, o que você acha que mantém o gênero relevante no século XXI? Sentir medo, se assustar, mesmo que tudo esteja na própria cabeça, ainda é algo que fascina?
Nada melhor que assistir, ler e ouvir a soma de todos os nossos medos no conforto do sofá de casa. O consumo do medo, de forma artística, é um viés mercadológico consolidado. E que nunca não vai morrer, porque a projeção no outro, mantendo uma distância segura, é um comportamento natural do ser humano.
Fale um pouco sobre "As Aventuras do Super Careca", como é sair do horror para uma história infantil? De onde surgiu essa ideia?
É ótimo a gente se desafiar e fazer algo diferente. Esse projeto, recheado de carinho, nasceu numa situação onde minha família se uniu para apoiar um priminho, que passava por uma condição médica complicada.
Então eu e minha tia Giany, que é uma ilustradora de mão cheia, bolamos um livro infantil para motivar esse carinha. E claro que ele era o personagem principal da trama. Foi um projeto pequeno, intimista, mas gigante em resultados, porque esse priminho hoje é um adolescente lindão, que venceu sua batalha no livro e na vida real.
Caratinga: a Terra do Nunca, como costumamos chamar. Lá é meio como a cidade de Hawkins, de Stranger Things. Ou como a cidade de Twin Peaks, também de uma série. Acontecem muitas coisas, digamos, “exóticas” por lá. Estava eu, tranquilamente trabalhando em Brasília, quando alguém chegou na minha sala e me mostrou uma notícia no celular: uma vaca havia caído do telhado em cima de uma pessoa. Digo com todo respeito à vítima, que morreu, mas fala se isso não é roteiro de uma novela, de um filme ou de um livro de realismo fantástico!?
Parafraseando Sergio Mallandro, eu tenho mais medo do capeta em forma de guri do que da figura com rabo e chifres. O que te dá mais medo? O tinhoso com pata de bode e tridente em mãos, ou uma criança fofinha dormindo no berço, que supostamente é a reencarnação do anticristo, como Damien Thorn do filme "A Profecia".
Como tu disse: é uma questão de escolha e opto sempre pelo suspense, pela relação de proximidade com o cotidiano, com aquilo que pode vir a ocorrer. O leitor se espanta e se encanta ao mesmo tempo, com essas possibilidades, ficando “cientificamente preso na leitura”, porque isso corrobora com aquela tese de que já falei: da projeção no outro, mantendo uma distância segura, sendo um comportamento natural do ser humano. Eu faço isso de propósito, sabia!? (risos).
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