Imposto seletivo e a intervenção do Estado na liberdade individual
Esse tributo, justificado como uma medida para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, merece uma análise cuidadosa
*Artigo escrito por Ramon Henrique Santos Fávero, advogado e consultor jurídico na Fávero Advocacia, Professor de Direito, Membro do IBEF Academy e do Comitê Qualificado de Conteúdo de Economia do IBEF-ES.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_02
A aprovação do Imposto Seletivo (IS) na reforma tributária brasileira de 2023 levanta questões importantes sobre a interferência estatal na liberdade individual.
Esse tributo, justificado como uma medida para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, possui implicações profundas que merecem uma análise cuidadosa, especialmente sob a ótica do liberalismo econômico.
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O liberalismo econômico, defendido por economistas como Adam Smith e Friedrich Hayek, baseia-se na mínima intervenção estatal na economia, permitindo que as forças de mercado regulem a oferta e a demanda.
O Estado deve limitar-se a garantir um ambiente propício ao funcionamento do mercado livre, proteger os direitos de propriedade e assegurar a segurança nacional.
A introdução desse imposto, portanto, representa uma violação desses princípios ao interferir diretamente nas escolhas de consumo dos cidadãos, impondo uma carga tributária adicional sobre produtos específicos.
A imposição do IS, ao encarecer produtos como bebidas alcoólicas, tabaco, veículos poluentes e alimentos ultraprocessados, restringe a liberdade de escolha dos consumidores. John Stuart Mill, em "On Liberty", argumenta que a intervenção do Estado é justificável apenas para prevenir danos a terceiros.
O IS, entretanto, interfere diretamente na autonomia individual, presumindo que os consumidores são incapazes de tomar decisões informadas sobre seus próprios hábitos de consumo.
Tal postura paternalista desconsidera a capacidade de autogovernança dos cidadãos e mina a autonomia individual, essencial para uma sociedade livre.
A aplicação do IS pode alterar significativamente práticas culturais enraizadas. Eventos sociais, celebrações tradicionais e hábitos cotidianos que envolvem o consumo de bebidas alcoólicas e outros produtos tributados via IS serão afetados.
A elevação dos preços desses produtos não apenas limita o acesso, mas também impacta negativamente a cultura social.
Isso pode acontecer em razão da incidência do IS sobre bebidas alcóolicas ou açucaradas e até mesmo sobre jogos online, fazendo com que se reduza o consumo de tais itens pela sociedade.
A interferência estatal nesses aspectos pode ser vista como uma forma de controle social, moldando comportamentos e valores conforme os critérios do governo, ao invés de respeitar a diversidade cultural e a liberdade de expressão.
A aprovação do IS na Câmara dos Deputados e no Senado, frequentemente sob pressão de setores produtivos e sem um processo legislativo realmente devido, é preocupante.
A Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, assegura a ampla participação popular e a transparência nos processos legislativos.
A falta de debate adequado e consulta pública compromete a legitimidade da reforma tributária.
Um processo legislativo democrático exige a inclusão de diversas vozes e interesses, garantindo que as leis reflitam os valores e as necessidades de toda a sociedade.
Uma crítica adicional relevante ao IS, particularmente no contexto do PLP 68/2024, é a escolha de tributar veículos poluentes em vez de focar diretamente nos combustíveis.
A lógica econômica e ambiental mais robusta aponta que são os combustíveis fósseis que geram poluição significativa, não necessariamente os veículos por si só.
Portanto, um imposto seletivo mais eficaz e justo deveria – no máximo - incidir sobre os combustíveis, incentivando o uso de alternativas mais limpas, como biocombustíveis ou energia elétrica.
Embora a intenção de reduzir os danos à saúde pública e ao meio ambiente seja louvável, o IS é uma solução inadequada do ponto de vista liberal.
A abordagem punitiva desconsidera alternativas mais eficientes e menos intervencionistas.
E para reduzir a interferência estatal e promover um ambiente mais livre e justo, o Estado deve adotar políticas públicas que respeitem a liberdade individual e incentivem escolhas conscientes, como programas educativos sobre os riscos do consumo excessivo, além de assegurar que todas as mudanças legislativas sejam conduzidas com plena transparência e participação pública.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo