Arenas multiúso: mais shows, menos futebol
Elas são projetadas para um padrão de comportamento e poder de consumo muito distantes das práticas tradicionais dos torcedores de arquibancadas
*Artigo escrito por Eric Alves Azeredo, advogado atuante na área do Esporte e do Entretenimento, pós-graduado em Direito do Trabalho e Membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de Empreendedorismo e Gestão do IBEF-ES.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_02
A escolha do Brasil como país sede para os jogos da Copa do Mundo de 2014 provocou um processo de reordenamento dos estádios de futebol com o aparecimento das arenas multiúso em vários estados da federação.
Já era de se esperar que o modelo de estádio “all seated” fosse criado muito mais pensando-se em outros eventos do que propriamente o futebol.
As arenas são projetadas para um padrão de comportamento e poder de consumo muito distantes das práticas tradicionais dos torcedores de arquibancadas, usualmente ruidosas, desordenadas, às vezes violentas, que dispensam as cadeiras numeradas para assistirem aos jogos de futebol de seus times.
>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe da nossa comunidade no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!
A maior prova de que as arenas multiúso foram projetadas para atender um padrão de comportamento meramente espectador, se encontra no relatório publicado em 2019 pela Fundação Instituto Miguel Calmon (IMIC).
Os dados apresentados mostram que a Arena Fonte Nova em Salvador (BA), realizou, em 10 anos, 425 eventos não esportivos, incluindo shows musicais, como as apresentações de Paul McCartney, Elton John, Roger Waters e A-ha, o Carnavalito, realizado totalmente dentro do estádio, e até mesmo a primeira missa celebrada pela canonização de Santa Dulce dos Pobres.
Esses eventos geraram mais de R$ 500 milhões em negócios para a economia baiana.
Esse volume financeiro pelo uso das arenas se espalhou por todo o país.
Os resultados do estudo “Impactos socioeconômicos dos eventos realizados no Complexo do Mineirão sobre Belo Horizonte e Minas Gerais”, feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (IPEAD) e pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais, mostraram que a cada R$ 1 gasto no interior do estádio, são gerados outros R$ 5,57 do lado de fora dele.
Um outro exemplo de eventos não esportivos realizados nesses modernos estádios “de futebol”, pode ser encontrado na Arena das Dunas, em Natal (RN).
Desde a sua inauguração, há uma década, os shows realizados naquele local geraram cerca de R$ 1,4 bilhão para a cidade, com 3,5 mil ocupações por ano nos setores formais e informais da economia, contribuindo com 0,3 a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) de Natal, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (FIPE).
No entanto, algumas arenas multiúso não conseguem pagar suas elevadas despesas mensais, como é o caso da Arena Amazonas (R$550 mil), da Arena Pantanal em Mato Grosso (R$700 mil) e do Estádio Mané Garrincha em Brasília, o mais caro da Copa, com custo avaliado em mais de R$2 bilhões, e com despesas de R$700 mil mensais (Fonte BBC Brasil).
A construção de estádios com capacidade para 40 mil pessoas em locais onde o futebol ainda é incipiente demonstra total falta de planejamento e visão de futuro.
Nesse caso, é fundamental um modelo de gestão que promova uma programação não esportiva constante, como os casos de sucesso mostrados nesse artigo, e, com isso, reduzir o prejuízo financeiro dos estados onde essas arenas se transformaram em verdadeiros elefantes brancos após a Copa do Mundo de 2014.