Desoneração da folha: estímulo econômico ou risco fiscal?
Governo e Congresso estão em uma acalorada discussão sobre como manter essa política de maneira que beneficie a economia sem comprometer a arrecadação
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte, membro da Comissão de Direito Tributário pela OAB/ES e dretor de Relacionamentos do IBEF Academy.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_02
A desoneração da folha de pagamento, uma política implementada para fomentar a criação de empregos e reduzir o custo do trabalho formal, enfrenta atualmente um cenário de incertezas e conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo.
O governo e o Congresso estão em uma acalorada discussão sobre como manter essa política de maneira que beneficie a economia sem comprometer a arrecadação de impostos e a sustentabilidade fiscal.
As decisões tomadas terão um impacto significativo sobre a criação de empregos, a competitividade das empresas e a saúde financeira do país.
Inicialmente, é fundamental entender que a desoneração da folha substitui a contribuição previdenciária sobre os salários por uma contribuição sobre a receita bruta das empresas.
Assim, em vez de pagar todos os encargos sobre o salário, a empresa pode pagar um imposto menor sobre o seu faturamento.
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A desoneração da folha de pagamentos no Brasil começou em 2011, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff.
A medida foi parte do Plano Brasil Maior, um programa do governo federal destinado a estimular a indústria nacional, aumentar a competitividade das empresas brasileiras e gerar empregos.
De maneira didática, se uma empresa possui 10 funcionários e, além dos salários, ela paga 20% de INSS, 8% de FGTS e 3% de outros encargos, totalizará 31% sobre o salário dos funcionários.
Com a desoneração, em vez de pagar esses 31%, a empresa paga uma alíquota sobre o faturamento, que pode ser de 1% a 4,5%, dependendo do setor.
Por exemplo, se a alíquota aplicada for de 2% sobre o faturamento e a empresa faturar R$ 100.000,00 por mês, ela pagará R$ 2.000,00 de imposto, ao invés de 31% sobre os salários dos funcionários.
Quando a desoneração foi introduzida em 2011, o foco era reduzir os custos de contratação e estimular a economia.
A ideia era tornar mais barato para as empresas contratar e manter funcionários. Não havia um prazo específico definido para a medida, mas ela foi implementada como uma política econômica com a expectativa de ser benéfica a longo prazo.
Desse modo, desde sua introdução, a desoneração passou por várias extensões e revisões, seja para estender por mais um ou dois anos ou para incluir setores conforme a situação econômica e as negociações políticas.
Recentemente, em 2021, o Congresso Nacional aprovou uma extensão da desoneração da folha de pagamentos até dezembro de 2023.
Essa decisão foi tomada considerando o impacto econômico da pandemia de covid-19 e a necessidade de apoiar a recuperação do país.
Porém, próximo do fim, o Legislativo prorrogou até o final de 2027 a desoneração da folha de pagamentos, determinando, para 17 setores, a contribuição sobre a folha por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita.
Iniciou-se, então, as desavenças entre Legislativo e Executivo.
Primeiro, o Executivo vetou o projeto, mas o Congresso derrubou o veto e publicou a Lei 14.784/2023, que foi revogada no dia seguinte pelo presidente através da Medida Provisória 1.202/2023.
Já em 2024, como parte das negociações políticas, a MP 1.208 revogou a primeira medida provisória, restaurando a lei que havia sido bloqueada.
Mas o vaivém institucional não parou por aí: em maio, o presidente ajuizou a ADI 7.633, pedindo a anulação da lei que vetou, revogou e depois restabeleceu a desoneração, e a polêmica chegou até o Supremo Tribunal Federal.
É válido questionar se esse conflito interno, comum na psiquiatria, é adequado também no Direito.
No STF, o ministro Cristiano Zanin concedeu uma medida cautelar para suspender pontos da lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamento.
Ele argumentou que a norma não cumpriu os requisitos constitucionais de impacto orçamentário e financeiro.
A medida tem efeito imediato, exigindo que essas empresas voltem a recolher contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento a partir de abril de 2024, com pagamento em maio de 2024.
O ministro Zanin também encaminhou a decisão ao plenário virtual do STF, e agora os contribuintes aguardam a continuação do julgamento.
Conforme se observa, embora o modelo tenha sido adotado com o objetivo de aliviar o ônus tributário sobre a folha de pagamentos, a política tem sido objeto de debate intenso devido às suas implicações fiscais e aos seus efeitos no financiamento da Previdência Social.
Do ponto de vista jurídico, a constitucionalidade da desoneração é frequentemente questionada.
As alterações na base de cálculo e nos percentuais de contribuição devem respeitar os princípios constitucionais tributários, especialmente os princípios da capacidade contributiva e da igualdade.
Além disso, as mudanças devem seguir o devido processo legislativo, garantindo a participação adequada dos setores afetados e a transparência nas decisões.
Por outro lado, enfrenta-se o desafio fiscal. A redução da carga tributária sobre a folha resulta em diminuição da arrecadação destinada à Previdência, compromete a sustentabilidade do sistema em longo prazo.
Esta situação demanda uma análise cuidadosa sobre o equilíbrio entre incentivos econômicos e a necessidade de financiamento das políticas sociais.
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Os conflitos entre o Executivo e o Legislativo exacerbam a situação, com o primeiro frequentemente buscando restringir ou eliminar benefícios fiscais em nome da responsabilidade fiscal, enquanto o segundo mostra-se influenciado por pressões setoriais para manter ou expandir as desonerações.
Este debate não é apenas técnico, mas também profundamente social, na medida em que o empreendedor brasileiro fica, mais uma vez, a mercê da instabilidade regulatória que afeta negativamente o planejamento estratégico das empresas.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo