Petróleo e dólar em alta não beneficiam a economia, dizem especialistas
Apesar do aumento expressivo da lucratividade de alguns setores específicos, como a siderurgia e a exportação de commodities (soja e minério de ferro, por exemplo), de um modo geral o setor produtivo não se beneficia porque os insumos e bens utilizados na produção, indexados em dólar, também sobem de preço
Nos últimos meses, dois fatores externos estão influenciando o mercado financeiro no Brasil e, por consequência, no Espírito Santo. O primeiro é a alta do preço do barril do petróleo. O outro é a alta do dólar. Um faz com que o Espírito Santo, produtor de petróleo, tenha um inesperado aumento de receita de royalties (valores pagos como compensação pela extração do produto), que beneficia tanto o Estado quanto os municípios produtores. O outro, além de ajudar ainda mais nos valores dos royalties, abre a expectativa de as empresas exportadoras obterem lucros maiores em suas transações comerciais.
No entanto, como veremos, tanto o valor elevado do "brent" do petróleo quanto a escalada da moeda americana trazem reflexos muito mais negativos do que positivos para a economia como um todo, seja na iniciativa privada ou no setor público.
Petróleo e royalties para o Estado
No caso do petróleo, um reflexo que aparece como positivo a primeira vista é o aumento da arrecadação dos royalties. A projeção da secretaria estadual da Fazenda é de um aumento de R$ 400 milhões de reais em 2017, elevando a expectativa de R$ 1,4 bi para R$ 1,8 bi. E em 2018, a projeção de arrecadar outros R$ 1,8 bi se mantém.
No entanto, para além do aumento inesperado de R$ 800 milhões na arrecadação do Estado nos próximos dois anos, há a certeza de que o petróleo em alta acaba causando pressão sobre o preço dos combustíveis, e ainda, de que essa subida não é sustentável no longo prazo, por se tratar de consequência de políticas externas muito momentâneas e não de uma tendência macroeconômica de longo prazo.
De acordo com o secretário estadual da Fazenda, Bruno Funchal, a alta do "brent" do petróleo é uma questão muito extemporânea e não há como contar com esse aumento de receita por muito tempo. "A boa gestão manda que se tome essa questão com bastante cautela, pois vemos que é um excesso de receita causado mais por uma situação que envolve relações internacionais do que por uma tendência que se verifica no comportamento da economia", disse.
Funchal lembra que, cerca de dois anos atrás, o preço do barril chegou a US$ 35. "É claro que o aumento verificado de lá pra cá contribui para o incremento da receita, mas essa grande variação é ruim na hora de traçar planejamentos que exigem visão de longo prazo. É mais interessante ter um preço estável, ainda que menor, pois isso garante mais segurança", analisa o secretário, enfatizando que isso vale também para o dólar.
Em razão da extemporaneidade no valor atual do barril de petróleo, Funchal informa que a diretriz dentro do Governo é destinar toda a "sobra" de arrecadação a investimentos e não para o custeio da máquina pública, a fim de evitar justamente que a quantia venha a faltar em caso de queda no valor do produto num futuro próximo. Disse ainda que, nas projeções de receita realizadas para este e para o próximo ano, o número utilizado é de US$ 65 para o barril, por ser um número mais "sóbrio" (saiba os motivos da alta do petróleo ao final da matéria).
Amunes não vê ganho consistente
O aumento na arrecadação com os royalties impacta não só a arrecadação estadual, mas também a dos municípios, em especial os produtores de petróleo: São Mateus, Linhares, Aracruz, Piúma, Anchieta, Presidente Kennedy, Marataízes e Itapemirim. Além disso, outras 67 cidades não produtoras recebem algum benefício, por meio do repasse de um percentual a que o Governo do Estado tem direito - por intermédio do Fundo de Redução das Desigualdades Regionais. No curto prazo, pode significar um aporte maior de recursos nas combalidas contas das prefeituras.
Mesmo assim, o presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), o prefeito de Linhares Guerino Zanon, também faz coro ao argumento de que a situação é momentânea. Para ele, ainda que o preço do barril se estabeleça num patamar acima do registrado nos últimos anos, não será fator decisivo para uma mudança significativa na saúde financeira das cidades. "É um dinheiro muito volátil, e além disso há tantas carências na prestação de serviços pela municipalidade que isso por si só não basta", afirma.
Zanon diz que é necessário estabelecer parcerias consistentes entre Municípios, Estado e União, a fim de elaborar planos de longo prazo levando em consideração as potencialidades locais e regionais, e promover a conexão entre as prefeituras. "Os problemas hoje são muito mais regionais, e as soluções devem ser pensadas também em conjunto", analisa.
Para ele, muito mais importante seria rever o pacto federativo, que centraliza a maior parte da arrecadação nas mãos do Governo Federal. "Toda a riqueza do país é produzida nos municípios, mas as prefeituras podem somente recolher ISS, IPTU e ITBI, os principais tributos estão nas mãos dos estados e do governo federal, isso é um contrassenso, é necessário desburocratizar para dar mais efetividade ao gasto público", acredita.
Dólar na casa dos R$ 4
No caso do aumento do dólar, há no senso comum a ideia de que a elevação é um fator positivo para as empresas que trabalham com exportação. Mas, ouvindo especialistas, pode-se dizer que trata-se de uma meia verdade. É certo que alguns setores da indústria e da agroindústria aumentaram bastante os lucros em função da subida da moeda americana. Exemplos claros do benefício direto e a curto prazo da alta são a indústria siderúrgica e a exportação de minério de ferro e de soja.
No entanto, até os empresários do setor consideram não haver nesse horizonte motivos para comemorar. O presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Espírito Santo (Sindiex), Marcílio Machado, afirma que é muito mais interessante haver estabilidade na relação entre real e dólar do que a volatilidade que se apresenta neste momento. Ele lembra que mesmo a indústria voltada para a exportação utiliza bens e insumos importados no processo de produção, e esse material, indexado em dólar, encarece diante da alta.
Confira a entrevista sobre a alta do dólar com o presidente do Sindiex:
Marcílio diz que "a indústria do mármore e granito utiliza abrasivos para o polimento de rochas, e também usa fios diamantados, máquinas e equipamentos que são importados. A agricultura usa fertilizantes, equipamentos de irrigação, máquinas, quase tudo importado. Atualmente, a economia funciona numa cadeia de suprimento global, não há como dissociar um processo de produção em larga escala desse sistema global. Então, ao final, a produção terá um custo maior, e no encontro de contas não há aumento de lucratividade para a grande maioria das empresas exportadoras, podendo haver prejuízo para várias delas", disse o presidente do Sindiex.
Pressão na gôndola
As consequências de um dólar alto vão muito além de aumentar o custo de produção das indústrias. Ainda que as mesmas não repassem esse aumento ao consumidor final por considerar a circunstância de crise em que o país está, há inevitavelmente o aumento dos produtos importados, e isso afeta tanto as classes abastadas quanto as classes mais baixas.
No primeiro caso, bens de consumo como bacalhau, salmão, vinhos, azeites e conservas já se mostram mais caros nas gôndolas dos supermercados, afetando o consumidor de maior poder aquisitivo. No segundo, o trigo (quase todo importado) também vem subindo de preço, levando à carestia de pães, bolos e massas, muito consumidos pelas classes média baixa e baixa. Até os setores gráfico e de embalagens sente, pois o papel utilizado para a confecção de rótulos - mesmo quando fabricado no Brasil - é um insumo indexado ao dólar. Além de tudo isso, há o preço do petróleo em alta, que traz como consequência o aumento dos combustíveis. Em suma, dólar alto é custo de vida mais elevado.
Por que o petróleo subiu?
Em virtude de altas que começaram a ser praticadas no ano passado pela Rússia e os países membros da Opec (Organização dos Países Produtores de Petróleo), em associação com o medo de que os EUA apliquem sanções ao Irã (outro grande produtor), o mercado projetou riscos de abastecimento e o valor do "brent" subiu sucessivamente desde abril deste ano. Antes na casa dos US$¨ 60, o preço do barril está próximo da casa dos US$ 80.
Por que o dólar subiu?
A alta do dólar é provocada, segundo os especialistas, por três variáveis distintas. A primeira e mais importante, as medidas tomadas pelos EUA, que aumentaram a taxa de juros para frear o risco de uma inflação de demanda após a economia americana crescer 4,2% no primeiro trimestre de 2018, gerando pressão monetária do dólar sobre os países emergentes.
A segunda variável são as dificuldades econômicas da Turquia (num embate com os EUA, que taxaram a importação de aço e alumínio e fizeram a moeda turca despencar) e da Argentina (num difícil processo inflacionário e de renegociação da dívida com o FMI). A terceira variável é interna: a instabilidade política vivida no período eleitoral no Brasil.
Antes valendo cerca de R$ 2,80, o dólar americano, na última semana, só não bateu os R$ 4,20 porque o Banco Central interveio no mercado financeiro.