TCU vê ilegalidade na venda de 'créditos podres' da Caixa
Brasília - O Tribunal de Contas da União (TCU) exigiu que a Caixa suspendesse a venda de carteiras de "créditos podres" - dívidas consideradas de difícil recuperação - por encontrar indícios de ilegalidade nas operações efetuadas nos últimos dois anos, quando o banco estatal passou a adotar a prática para limpar o balanço.
De acordo com o TCU, na decisão cautelar do ministro Raimundo Carreiro do fim de junho, que suspendeu esse tipo de negócio, o banco não seguiu os parâmetros estabelecidos pelas resoluções do próprio conselho diretor da Caixa e vendeu carteiras que não eram passíveis de cessão, incluindo créditos "de melhor qualidade", o que resultou em "vultosos prejuízos". Segundo o órgão de fiscalização, as operações suspeitas de irregularidade resultaram em receitas de R$ 260 milhões, o que corresponde a quase a metade (48%) do valor que o banco arrecadou com as operações (R$ 542 milhões).
Entre 2014 e o primeiro trimestre deste ano, a Caixa vendeu um volume recorde de créditos considerados de baixa qualidade, que somam R$ 24 bilhões. Por essas transações, recebeu R$ 2,1 bilhões - desconto de 91%.
Só nos três primeiros meses de 2016, o banco estatal cedeu outros R$ 2,6 bilhões em duas operações. Em troca dos direitos, recebeu R$ 138 milhões, com deságio de quase 95%.
'Indícios de ilegalidade'
A fiscalização do TCU na Caixa começou no início de maio e está em curso até hoje. O exame preliminar detectou "indícios de ilegalidade" em todas as cessões realizadas entre 2014 e 2015. Para os técnicos do tribunal, a venda de R$ 24 bilhões nesses últimos anos ultrapassa o volume de cessões dos bancos concorrentes com tradição nesse tipo de operação. Segundo o parecer, a venda de carteiras deve ser considerada como estratégia acessória e secundária para uma instituição financeira.
No primeiro trimestre de 2016, a Caixa vendeu quase o triplo da soma das operações do mesmo tipo feitas pelos três principais concorrentes - Banco do Brasil vendeu R$ 3 bilhões, Itaú Unibanco, R$ 2,2 bilhões, e Bradesco, que não efetuou esse tipo de negócio no período.
O parecer cita alguns exemplos de vendas nas quais a Caixa não cumpriu os critérios definidos pelo conselho diretor, único instrumento que normatiza esse tipo de operação no banco, segundo o TCU. O banco vendeu a instituições privadas dívidas de cheque especial com períodos de inadimplência inferiores a 90 dias, incluindo alguns créditos considerados como adimplentes. Também cedeu dívidas de cartão de crédito com atrasos inferiores a 360 dias, em desconformidade com a regra do conselho diretor.
Resposta
De acordo com o TCU, a Caixa reconheceu "fragilidades" e alegou que vem aprimorando a metodologia interna de seleção dos contratos.
À reportagem, o banco afirmou, em nota, que prima pela governança e pelo respeito às decisões de seus órgãos diretivos. "No caso em questão, a Caixa vem prestando todos os esclarecimentos necessários ao TCU, demonstrando a lisura de seus procedimentos", afirmou o banco. "Não há, até o momento, decisão final do TCU nem análise conclusiva pelos técnicos do tribunal", completou.
Empresa pública
Para o Tribunal de Contas da União, há indícios de ilegalidade na cessão duplicada de carteiras da Caixa para a Emgea, de créditos que já tinham sido cedidos anteriormente para a mesma empresa. A Emgea é uma empresa pública criada pelo governo para absorver prejuízos dos bancos oficiais com devedores.
A companhia estatal foi responsável pela aquisição de 87% das cessões da Caixa em 2014. No momento dessa operação, a Emgea passava por dificuldades financeiras provocadas, entre outros fatores, pela interrupção de renovação dos Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), uma espécie de moeda podre, pelo Tesouro Nacional.
O TCU encontrou ainda "disparidade" entre as informações do Banco Central e as da Caixa sobre o volume dessas operações. O BC possui conhecimento de 55% dos créditos cedidos, segundo o órgão de fiscalização.
O banco de investimento JP Morgan disse, na análise do balanço da Caixa de 2015, que a venda de carteiras "podres" distorceu o índice de inadimplência do banco. O índice fechou o ano passado em 3,55%, acima dos 3,26% registrados em setembro. Pelos cálculos do JP Morgan, se não fosse a venda de carteiras, o indicador teria sido de 3,89%.
"Os indícios de irregularidades até aqui identificados, associados à perspectiva de continuidade das cessões de crédito sem que sejam sanadas as falhas apontadas revelam o risco de a Caixa vir a ceder créditos classificados erroneamente como de difícil recuperação e, ainda, sem o suficiente controle pelo Banco Central", disse o ministro Raimundo Carreiro na decisão. "Como esse tipo de cessão onerosa é feito mediante descontos superiores a 95% do valor de face do título, o risco de prejuízo torna-se evidente", complementou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.