'China não quer ser vilã da economia global'
A China pode compensar a demanda americana aumentando as exportações
As medidas protecionistas que o governo de Donald Trump deve anunciar ainda nesta semana contra a China não afetarão o gigante oriental no curto prazo. Segundo Arthur Kroeber, sócio-fundador da consultoria especializada em economia chinesa Dragonomics, a China passa por bom momento e poderá compensar a demanda americana aquecendo seu mercado doméstico ou aumentando exportações para outros países. Kroeber, que está no Brasil para participar de debates no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio e em São Paulo, diz que a China deve evitar medidas retaliatórias pesadas, pois não quer ser vista como a vilã da economia global.
O governo americano anunciou que pretende reduzir o déficit comercial com a China em US$ 100 bilhões. Quais os impactos para a economia chinesa?
O governo americano pode pedir isso, e a China responder como quiser. Acho que eles (a China) vão tentar fazer algo para aumentar as compras de bens dos Estados Unidos, mas não há muito o que fazer porque uma grande parte do déficit vem da montagem de produtos como iPhones e outros eletrônicos que a China exporta para os EUA. Por outro lado, para a China importar mais dos EUA é difícil porque é muito competitiva para fabricar produtos. Não acho que seja possível mudar muito essa balança e uma boa pergunta é: se a China não fizer nada para reduzir o déficit, qual será a resposta dos EUA?
Há possibilidade de os países encontrarem um ponto intermediário?
Eles podem reduzir um pouco, mas é preciso lembrar que os EUA vão anunciar restrições a importações chinesas.
Essa medida poderá desacelerar a economia chinesa, que é dependente de exportações?
Não acho que haverá grande impacto na economia chinesa neste ano. A economia chinesa está em boa forma, conduzida pelo setor doméstico de construção, que está sólido. As exportações para o resto do mundo também vão muito bem. Se houver redução de exportações para os EUA, o governo chinês poderá adotar estímulos domésticos. A situação da China no curto prazo ainda é bastante boa. Mas o impacto disso (das medidas protecionistas), apesar de difícil de prever, pode ser grande, mas nos próximos quatro ou cinco anos.
A China deverá responder com medidas retaliatórias pesadas?
Depende do que os EUA fizerem e de quão grande forem as tarifas impostas. A China poderá, por exemplo, adotar taxas que limitem importações agrícolas americanas ou comprar menos aviões da Boeing e mais da Airbus. Também pode criar algumas restrições para negócios americanos que operam na China. Mas acredito que o governo chinês será muito cuidadoso porque quer ser visto como o lado bom da economia global e, quanto mais responder aos Estados Unidos, mais parecerá a vilã.
Se a China também adotar medidas protecionistas, isso poderia acabar numa guerra comercial e afetar o mundo todo?
Sim. É um risco que a gente corre, de haver uma escalada do protecionismo não só nos EUA e na China, mas em outros países também. Isso desaceleraria todo o comércio e os fluxos de investimento. Mas os países estão tentando ser cuidadosos para não desencadear essa guerra. O único interessado nesse tipo de protecionismo são os EUA. Se houver uma escalada protecionista, não serão só os EUA e a China que sairão machucados.
Com as barreiras, os EUA podem perder importância na economia global e a China ganhar espaço?
Acho difícil. A China claramente também tem muitas políticas protecionistas que dificultam que empresas estrangeiras invistam ou vendam seus produtos no país, especialmente bens manufaturados. O país tem uma política industrial cujos objetivos são atualizar a base tecnológica e reduzir as importações de componentes. Então, um terceiro ator, como o Brasil ou a União Europeia, vai olhar para EUA e China e pensar: não gosto do que nenhum deles está fazendo. A China diz ser a favor do sistema global, mas quer apenas que o resto do mundo esteja aberto para suas exportações e investimentos, mas não quer estar aberta para o resto do mundo.
Isso depende apenas das políticas brasileiras. Para a China, a realidade é que há muito dinheiro que precisa ser investido internacionalmente. A única pergunta é se o Brasil está feliz com isso ou se pode criar algum problema (para a entrada de capital estrangeiro). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.