Implicações jurídicas da missão, visão e valores nas empresas
Mais do que meras palavras, esses elementos estabelecem e protegem os objetivos gerais, os valores fundamentais e os princípios éticos que regem suas atividades
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado, jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte e membro do Comitê Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.pp_amp_intext | /1034847/FOLHA_VITORIA_AMP_02
No mundo corporativo, a definição clara de missão, visão e valores é essencial para o sucesso de uma empresa, pois orienta suas diretrizes estratégicas.
Mais do que meras palavras em um site, esses elementos estabelecem e protegem os objetivos gerais, os valores fundamentais e os princípios éticos que regem suas atividades. Isso resulta em uma proteção jurídica robusta e positiva para a organização.
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Em geral, a missão (o que a sua empresa faz), a visão (para onde você está indo) e os valores (como vai chegar lá) são pilares que estabelecem a identidade e o propósito de uma organização. Isso se torna mais claro ao analisar cada um desses elementos.
A missão de uma empresa define seu propósito fundamental. É a resposta à pergunta: "Por que existimos?".
Uma missão bem articulada oferece direção e serve como um guia para todos os membros da organização. Por exemplo, a missão do Google – "organizar as informações do mundo e torná-las universalmente acessíveis e úteis" – define claramente seu propósito e orienta todas as suas iniciativas.
Por sua vez, a visão é a aspiração futura da empresa. É uma declaração de onde a empresa quer estar no futuro e o impacto que deseja causar.
A visão da Tesla – "acelerar a transição do mundo para a energia sustentável" – é um exemplo poderoso de como uma visão pode inspirar inovação e dedicação.
Por fim, os valores são os princípios fundamentais que guiam o comportamento dentro da empresa. Eles moldam a cultura organizacional e influenciam como os funcionários interagem entre si e com os clientes.
Empresas como a Zappos, que valorizam o atendimento ao cliente excepcional, demonstram como os valores podem ser vividos diariamente e contribuir para o sucesso.
Jack Welch fala bastante sobre missão, visão e valores no livro "Paixão por Vencer". Ele enfatiza que a missão de uma empresa deve responder à pergunta "Como pretendemos vencer neste negócio?".
A missão deve ser clara, específica e inspiradora, equilibrando o possível com o aspiracional. Valores, segundo Welch, devem ser entendidos como comportamentos específicos que guiam a empresa para alcançar sua missão.
Ele argumenta que a definição de valores deve ser um processo inclusivo, envolvendo toda a organização para garantir que todos compreendam e adotem esses comportamentos.
Por isso, o autor destaca a importância de estabelecer e viver esses princípios como uma forma de alinhar e engajar os funcionários.
Em suas palavras: "Um forte conjunto de valores compartilhados faz mais para criar uma cultura de alto desempenho do que qualquer número de manuais de políticas".
No pensamento administrativo, é evidente que as empresas necessitam estabelecer a tríade mencionada para o próprio sucesso.
Contudo, o que pouco se discute são as possíveis repercussões jurídicas desse tema e como elas podem ser primordiais para o desenvolvimento sadio da organização.
Em primeiro lugar, uma forte missão, visão e valores alinha e engaja os funcionários. Funcionários mais alinhados se sentem mais conectados e motivados, o que resulta em maior produtividade e satisfação no trabalho.
Funcionários mais satisfeitos representam menores chances de passivos trabalhistas em casos de desligamentos, especialmente quando os direitos trabalhistas são respeitados.
Da mesma forma, empresas que comunicam seus valores atraem talentos que compartilham os mesmos princípios, facilitando a contratação e retenção de bons funcionários.
Empresas que estabelecem notadamente sua missão, visão e valores nos contratos de trabalho podem criar expectativas e obrigações específicas para os funcionários, influenciando como as responsabilidades e comportamentos são esperados.
Além disso, se os valores da empresa forem incorporados nos códigos de conduta e políticas internas, podem ser legalmente vinculativos.
Com isso, violações desses códigos possuirão respaldo ao resultar em ações disciplinares ou até mesmo em demissões justificadas.
Embora na vida real a permanência em um emprego indesejado possa ser necessária, as partes envolvidas percebem rapidamente que não poderão estender por muito tempo essa relação trabalhista.
Assim, as definições servem como antídoto para afastar funcionários que não se alinham com a empresa.
Os programas de compliance da empresa também são afetados pela tríade. Vale lembrar que programas de compliance são essenciais para a mitigação de riscos.
Eles promovem um ambiente de trabalho ético, asseguram a conformidade com as leis e os regulamentos, protegem a reputação da empresa e aumentam a eficiência operacional, tudo isso contribuindo para a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo.
Logo, quando a empresa adota valores que enfatizam a ética e a integridade, haverá direta repercussão no compliance da empresa, de modo a contribuir na prevenção de fraudes e outros comportamentos ilícitos.
Também, em uma época em que as práticas ESG (Environmental, Social, and Governance) estão em discussão, a missão e os valores que enfatizam a responsabilidade social podem criar expectativas legais sobre como a empresa deve operar, incluindo o tratamento de trabalhadores, impacto ambiental e práticas comerciais éticas.
Consequentemente, quando as empresas se comprometem com certas práticas em suas declarações de missão e valores, elas podem ser legalmente obrigadas a relatar seu desempenho em relação a esses compromissos.
Diretores e executivos são legalmente responsáveis por garantir que a empresa opere de acordo com sua missão e seus valores, especialmente em áreas como responsabilidade social corporativa e sustentabilidade.
É importante mencionar que empresas que promovem sua missão, visão e valores de forma destacada evitam conflitos externos.
Dessa forma, em disputas com clientes e parceiros de negócios, podem usar a missão e os valores declarados como base, especialmente se a parte contrária não estiver operando de acordo com esses princípios.
Por fim, é certo que o governo observará as declarações de missão e valores da empresa para garantir que elas não apenas cumpram, mas também demonstrem práticas empresariais responsáveis e éticas.
Empresas que operam em setores fortemente regulamentados, como aviação ou extração de minerais, podem ter requisitos adicionais para garantir que suas práticas operacionais estejam alinhadas com sua missão e valores.
Jack Welch faz várias críticas sobre como missões e valores são frequentemente abordados nas empresas.
Ele menciona que muitas vezes esses termos são mal compreendidos e transformados em chavões vazios que não trazem impacto real. Welch critica declarações de missão que são genéricas e cheias de banalidades, como "Nossa empresa valoriza qualidade e serviço" ou "Nossa empresa está sempre voltada para o cliente", argumentando que essas afirmações não dizem nada de significativo.
Welch também critica a forma como muitas empresas criam seus valores sem um verdadeiro envolvimento dos funcionários, resultando em listas de virtudes genéricas que não têm impacto real nas ações diárias.
Ele enfatiza que os valores devem ser comportamentos específicos e observáveis que ajudam a alcançar a missão da empresa, e que a criação desses valores deve ser um processo inclusivo e iterativo, envolvendo a contribuição de toda a organização.
Estabelecer e implementar uma missão, visão e valores eficazes é desafiador, mas quando feito corretamente, proporciona resiliência em tempos de crise.
Empresas bem alinhadas podem navegar por diversas divergências com mais facilidade. Uma forte cultura organizacional melhora a reputação da empresa tanto internamente quanto externamente, criando um ambiente de confiança com implicações jurídicas que evitam litígios e passivos financeiros.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo