'País deveria manter o controle da Embraer'
São Paulo - O economista coreano Ha-Joon Chang, tornou-se famoso globalmente por seu livro Chutando a Escada, em que defende que países ricos já adotaram medidas protecionistas e agora tentam impedir os emergentes de fazerem o mesmo. Professor da Universidade de Cambridge, Chang diz que o Brasil perderá capacidade tecnológica se a Embraer for vendida para a Boeing e vê falhas no modelo de protecionismo que já foi adotado no País por não ter implementado garantias de aumento de produtividade. A seguir trechos da entrevista concedida ao Estado em São Paulo, onde está para participar de palestras na escola de economia da FGV e na PUC.
A ex-presidente Dilma Rousseff adotou medidas protecionistas para algumas indústrias, como o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) no setor automotivo. O que deu errado?
Várias coisas precisam ser feitas para a proteção funcionar. Só proteger não é suficiente. É como mandar uma criança para a escola: se ela não vai à escola e começa a trabalhar aos 6 anos, não se tornará uma pessoa produtiva como um engenheiro. Mas mandá-la à escola não será suficiente, tem de se certificar de que ela estuda. Um dos problemas daqui, não falando apenas do período Dilma, foi não adotar medidas para garantir que a proteção estava aumentando a produtividade. Na Coreia, se as indústrias protegidas não melhoravam a performance, a proteção era retirada. Outro problema no Brasil são as políticas macroeconômicas, como de juros altos e câmbio valorizado. Quando se tem uma taxa de juros de 10%, quem vai pegar crédito para expandir seu negócio? No Brasil, a política econômica não ajudou os investimentos e então o BNDES tinha de fazer empréstimos especiais. Em um ambiente favorável, um banco de desenvolvimento precisa financiar apenas alguns setores. No Brasil, virou a fonte de financiamento geral.
Agora temos um governo mais liberal: o BNDES restringiu os empréstimos e uma reforma trabalhista foi feita para aumentar a produtividade.
Basicamente, governos liberais enfraquecem os direitos dos trabalhadores para reduzir os custos trabalhistas. Na Alemanha, trabalhadores recebem US$ 40 por hora porque a tecnologia justifica esse salário. No curto prazo, relaxar a regulamentação trabalhista pode ter impacto positivo para as corporações. No longo prazo, você não vai conseguir competir com empresas da Alemanha. O que determina o sucesso é a tecnologia e a produtividade, não o custo com salário.
É preciso muitas coisas para que o modelo dê certo: as políticas econômicas têm de ser corretas, tem de dar suporte à infraestrutura, à pesquisa, à educação e também proteger essa companhia. Também é preciso ter certeza de que ela não abusa da proteção, com punições, por exemplo, se ela não atingir a meta. Levam-se décadas para que essas empresas cresçam.
O ponto criticado aqui é que o governo escolheu apenas algumas companhias. Elas cresceram, mas com muita corrupção.
Não sei os detalhes disso. Corrupção é sempre um perigo. Por outro lado, se você não direciona essa política a um pequeno número de empresas, é improvável que tenha campeãs. É um conflito de escolhas. Se pode ter uma política mais geral, o que não deve criar muita corrupção, mas acaba espalhando demais os recursos. Para ter sucesso, é preciso concentrar recursos, mas aumenta o perigo de corrupção.
O sr. afirma que é importante para um país ter empresas com alto nível de tecnologia. O Brasil tem hoje a Embraer, que está negociando um acordo com a Boeing. Como o sr. vê isso?
Acho que se deveria tentar manter (o controle da empresa). A Boeing vai tornar a Embraer uma segunda marca, para coisas simples, levar as tecnologias importantes (da Embraer) para os Estados Unidos.
O que o País pode perder com esse negócio?
A habilidade de gerar sua própria tecnologia. Pessoas dizem que empresas nacionais não são mais importantes. Não é verdade. Quando uma empresa alemã compra uma americana, os alemães ficam com a gerência e passam a fazer os trabalhos de desenvolvimento mais importantes na Alemanha. É por isso que compram, para controlar. Não digo que nunca se deve vender as companhias líderes para estrangeiras, algumas vezes é necessário, mas é preciso ter cuidado. A Embraer é a única companhia que compete com Boeing e Airbus, apesar de ser menor. Se for vendida, é muito importante garantir que o Brasil mantenha a capacidade tecnológica.
O Mercosul e a União Europeia estão negociando um acordo de livre comércio. O Brasil pode ganhar com isso?
Se o Brasil assinar um acordo assim com a Europa, vai aumentar a dependência do País de commodities. Provavelmente, no curto prazo, poderá se beneficiar exportando mais soja. No longo prazo, você coloca o País na direção errada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.